sábado, 10 de agosto de 2013

Em 1947, o pequeno povoado de Águas Compridas lutava pelo único transporte motorizado

As beliscadas, caminhões transformados em ônibus. Em 1947, era um dos transportes alternativos de Águas Compridas. Foto: Museu da Cidade do Recife.



O transporte coletivo no bairro de Águas Compridas, sempre causou transtornos, cansaço e bastante estresse a população local e nas demais localidades espalhadas pela nossa cidade. São ônibus que atrasam, circulam lotados e enfrentam  grandes congestionamentos até o destino final. Agora imaginem vocês a situação em especial, dos moradores de Águas Compridas no longínquo  ano de 1947, quando esta localidade não havia pavimentação adequada, energia elétrica, água encanada e muito menos telefone, coisa para poucos no Recife. Águas Compridas nessa época, fazia parte do município do Recife, pertencendo ao distrito de Beberibe e considerada zona rural. 

Cortado pelo riacho Lava-tripa, que nasce na mata da Mirueira e que depois de alguns anos, se transformou em riacho Águas Compridas, sendo um riacho de águas límpidas, onde as pessoas tomavam banho, consumiam água potável. As lavadeiras lavavam roupas e pequenos proprietários dos sítios às margens do riacho plantavam suas hortas (macaxeira, iame, batata doce etc) e criavam animais (bovinos, suínos, caprinos, muares e aves). Por tratarem animais e lavarem as vísceras no riacho foi que ele ganhou o nome inicial. Atualmente, esse riacho se transformou num canal, bastante poluído com dejetos das residências e com bastante lixo.  Alguns sítios de Águas Compridas ficaram conhecidos, como o sítio do Dr. Teodoro Valença, onde fica a localidade de Buraco de Afonso; outros são: Outeiro do Caenga; Sítio Tio Antão e Sítio Nova Olinda. Os morros e córregos de Àguas Compridas eram cobertos pela Mata da Mirueira, nas partes planas, haviam mangues, alagados e cacimbões. Entre os morros destacavam-se: a Morro do Giz, que recebeu esse nome porque mineradores descobriram no local, caulinita (giz de alfaiate) no início do século XX. Atualmente é conhecida por Ladeira do Giz. Outro morro de destaque foi o Monte Berenguer, que recebeu esse nome a partir de 1938, quando o Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco começou a estudar a região.  O monte recebeu esse nome porque em 1692, o português,  coronel Francisco Berenguer de Andrade (o filho) comprou uma grande porção de terra, que começava em Paratibe Alto até às margens do riacho Lava-Tripas (Águas Compridas).  O monte, depois passou a ser o Alto do Berenguer , esta longa planície, hoje ficam as comunidades do  Alto da Bondade, Passarinho Alto, Alto Sol Nascente e fração da Mata do Ronca.

A situação dos moradores de Águas Compridas em 1947, era calamitosa e gravíssima. A estrada  era precária, esburacada,  alagada  em alguns pontos, sem asfalto, seguia a partir da estrada da Mirueira, que começou a ser aberta a partir de 1939, continuava pela estrada de Águas Compridas, estrada do Caenga, estrada do Matumbo, rua  13 de maio até chegar a praça Nossa Senhora da Conceição (atual praça da Convenção) até os pontos dos bondes elétricos e ônibus. Em 1947, os ônibus regulares credenciados pela Prefeitura do Recife e Delegacia de Trânsito, ainda não circulavam em Águas Compridas. A concessão só se concretizou no ano seguinte. Os ônibus que circulavam pelos outros bairros eram pouquíssimos, pois ainda não existiam as grandes empresas de transporte urbano que existem hoje. Eram pequenos proprietários de velhos ônibus adaptados para o transporte coletivo. Um exemplo claro disto, aconteceu com os irmãos Raul e Mário Morato, que compraram um ônibus, tipo jardineira ou beliscada em 1944, e faziam transporte de passageiro em Beberibe, enquanto um era o motorista, o outro era o cobrador. O fato é que este empreendimento acabou se transformando na atual empresa São Paulo.
O primeiro ônibus da Empresa São Paulo que começou a circular em Beberibe, em 1944, ano em que o povoado de Águas Compridas começou a se formar. Foto: Empresa São Paulo.

O outro meio de transporte era o bonde elétrico, que já vinha em decadência e sem investimentos e com poucas composições, além do mais, com o terminal dos bondes na praça Nossa Senhora da Conceição (atual praça da Convenção), restavam aos moradores do pequeno povoado de Águas Compridas, os velhos e desconfortáveis caminhões abertos chamados de correções ou beliscadas. Era a única opção de transporte motorizado existente.  A vantagem desse transporte era que as pessoas podiam transportar malotes, mercadorias, animais e outros objetos, além de poder usar determinados trajes e andar de chinelos. Procedimentos que eram proibidos nos ônibus e bondes regulares credenciados pela delegacia de trânsito. Outros moradores utilizavam burros, mulas e carroças de tração animal para fazer pequenos e médios deslocamentos.

Uma decisão tomada pela Delegacia de Trânsito do Recife, causou uma grande revolta aos moradores do povoado de  Águas Compridas e de  diversos bairros do Recife que faziam uso das correções ou beliscadas. O fato é que, a delegacia de trânsito propôs uma regulamentação e adequação as normas de trânsito vigentes em 1947, para que os proprietários das correções o transformassem em ônibus. O problema todo é que o prazo dado  era de apenas  um mês, o que evidentemente não concordaram os proprietários das correções,  alegaram não terem  dinheiro para adequar seus veículos em tão pouco tempo. Isso gerou  uma grande insatisfação da população de Recife que utilizavam este transporte e recorreram a Assembleia  Legislativa de Pernambuco, que na ocasião, elaborava uma nova constituição para o Estado. 

Observem os poucos ônibus e veículos que circulavam pelo centro do Recife nesta foto de 1947, na Avenida Guararapes. Foto: Alexandre Berzin/ Fundaj.

No dia 29 de abril de 1947, na 6ª Sessão da Assembléia Constituinte, o sr. Amaro Oliveira, representando as comunidades que faziam uso das correções, discursou em plenário:

- Sr. Presidente, Srs. Constituintes.
- É um fato que está bem próximo de nós todos, a dificuldade de transporte na cidade do Recife. É diante dessa dificuldade, meus senhores, que estamos com a palavra para defender a existência  dos caminhões transportes que o povo denominou de “correções” e “beliscadas”, os quais enfrentam agora uma situação difícil diante de uma medida baixada pela delegacia de trânsito. Todos sabem, que as correções são transporte de todo o povo do Recife, que mora principalmente nos subúrbios mais distantes.
De fato, o povo pobre da cidade, sobretudo os trabalhadores, não dispondo de bondes, pois estes quase não existem mais, nem podendo se utilizar dos ônibus, não só pelos preços das passagens como também pelas exigências dos trajes que os mesmos fazem, só dispõem atualmente das correções para o seu serviço de transporte. As correções estão prestando assim, grandes serviços ao nosso povo, tirando-o de muitas dificuldades, uma vez que suas passagens são relativamente à distância por elas percorridas, mais baratas que as dos ônibus, além disto não fazem estes transportes populares, exigências de traje, e chegam mesmo a transportar pequenas cargas o que não é permitido nos ônibus (Em média a diferença entre  os ônibus e as correções são de CR$ 0,20). A correção de Águas Compridas até Beberibe custa CR$ 1,00 (Um cruzeiro). Diante disto, e a medida tomada pela delegacia de trânsito, exigindo que as correções sejam transformadas em ônibus até 21 de maio, a qual julgamos prejudicial aos interesses do povo porquanto, o referido prazo é curto de mais para que os proprietários das correções atendam as exigências citadas e, que, apresentamos o seguinte requerimento, para o qual pedimos o apoio desta  Assembleia. Esclarecemos, porém, que julgamos   justas as medidas tomadas no sentido de fazer com que as correções ofereçam maior conforto ao povo; não porém,  com exiguidade de tempo analisado, porquanto, isso fará implicar na retirada brusca do referido transporte com evidente prejuízo para classe operária e o povo.

Modelo de bonde elétrico aberto que circulou em Beberibe até a década de 50.  

Modelo de bonde elétrico fechado.

O REQUERIMENTO

A classe operária é prejudicada neste sentido, porque a falta de transporte vai afetar a assuídade ao trabalho, e a não assuidade ao trabalho atinge a nossa produção. E hoje, senhores deputados, devemos dar todo estímulo à produção, e não devemos de maneira nenhuma dificultar ao nosso proletariado a maneira e dar essa produção mais eficaz afim de fazer face a situação econômica que hoje é das mais graves em nosso Estado. É necessário também que se tome todas medidas que se facilite ao operariado ir ao local do trabalho. É esta justificativa que fazemos quanto ao nosso requerimento e apelamos para todos os constituintes, afim de aprovarem essa nossa indicação no sentido de beneficiar a classe operária que é a mais prejudicada com as faltas desses transportes. (Palmas). Estavam presentes na Assembleia Legislativa de Pernambuco, representantes de Águas Compridas, Tejipió, Piedade, Várzea, Iputinga, Caravelas (Olinda), Macaxeira, Casa Amarela, Dois Irmãos e  Casa Forte.

Por: Jânio Odon/Blog Vozes da Zona Norte (DIREITOS RESERVADOS).
Fonte: Diário Oficial de Pernambuco, de 7/5/1947; Revista Brasileira de Geografia de 1962 e Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano de 1899.



12 comentários:

  1. Olá, Jânio, parabéns pelo blog, encontrei ele através de uma busca especifica sobre a cidade e vi esta postagem, gostaria de uma ajuda muito valiosa, falo da cidade de São Bernardo do Campo em São Paulo e estou procurando uma forma de buscar dois moradores na cidade (antigamente) de Águas Compridas, gostaria da sua ajuda, para saber se tem algum canal especifico onde eu possa fazer esta busca, se puder me ajudar serei enormemente grato.
    Ps: Busco por parentes de meu pai já falecido.
    Este é meu e-mail para contato: donnefar2009@hotmail.com

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    1. Nasci em Águas Compridas nos anos 80, mas moro em São Paulo há 10 anos...Como chamam seus familiares? Talvez eu os conheça. Um abraço, Luciano

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  2. bastante interessante as informações sobre meu bairro atual
    aguas compridas parabéns

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  3. Cresci neste bairro...me emociona tanta riqueza histórica no lugar onde cresci.

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  4. É minha infância foi quase toda em aguas compridas,adoro rever as lindas histórias. Pois me fazem tão bem.amo aguas compridas.
    .

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  5. Masssaaa demais vei sou nascida e criada em águas compridas. Adorei

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    1. BOA TARDE, SUELY. oBRIGADO PELA SUA VISITAÇÃO. VOCÊ VIU APENAS A QUESTÃO DO TRANSPORTE. A HISTÓRIA DE ÁGUAS COMPRIDAS, ESTÁ EM OUTRA MATÉRIA. tUDO DE BOM.

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  6. Parabéns para geral envolvido nesse blog, muito bom mesmo... Águas compridas, ainda necessita de um belo hospital,sugestão onde ficava o antigo terminal do caenga, em alguns morros uns murros de arrimo reforçado pois já tivemos histórias ruins inclusive na própria ladeira do giz, os ônibus poderiam ser todos com ar condicionado, pois no atual momento só TI Samba príncipe tem, nossas escolas oferecerem uma forma de educação melhor, terminou o ensino médio não precisa de prova para avaliar o conhecimento que as vezes é até uma vergonha nas redes públicas... terminou o nível médio, escolher o curso ou técnico ou direto para o ensino superior, banda marcial, como existia nós tempos do Raimundo Diniz( Professor Guilherme), e no mais só agradecer aos envolvidos nessa onda de querer o melhor para todos nós, sem ter aquele egocentrismo que existia entre algumas famílias do passado... viva o nosso abençoado bairro de Águas compridas...!!!

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    1. É apenas eu. Boa tarde. Obrigado pelo comentário. Um grande abraço!

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  7. Parabéns pela história do nosso bairro aguas camprida 👏👏👏sou de 82 e ainda moro aqui quem vai gostar vai ser o meu pai vou mostrar pra ele.abraço

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