Os descasos das autoridades governamentais com o Cemitério de Beberibe causaram grande sofrimento ao povo da região de Beberibe. Foto: Ilustrativa/Pinterest.
O Cemitério de Beberibe
foi inaugurado em abril de 1888, atualmente denominado Cemitério de Águas
Compridas, localizado à noroeste de Olinda. É um cemitério de grande
importância para os moradores da região de Águas Compridas e de Beberibe
(Recife). Neste ano, completou 135 anos de existência. Poucas pessoas conhecem
a sua história e muito menos os tormentos enfrentados pela população de
Beberibe no início do século XX, fatos como: abandono de cadáver no portão do
cemitério (1907) que passou três dias, sem que as autoridades governamentais
tomassem qualquer providência. Um delegado inconsequente que autorizou o
enterro de um cadáver com doença contagiosa, numa rede (1914), colocando em
risco a saúde da população e de uma epidemia; além do fechamento do cemitério
em 1933, por falta de espaço, que causou grande sofrimento a população da
região que tinha que caminhar a pé, por mais de uma légua para enterrar seus
entes queridos no cemitério de Santo Amaro e que só foi reaberto dez meses
depois. Um fato cruel e desumano. São histórias reais, retratadas nos
principais jornais da época e que o Blog Vozes da Zona Norte reconta para vocês.
Jornal Pequeno, 5 de
abril de 1907 – Há três dias, acha-se colocado à porta do Cemitério de
Beberibe, no Caenga, o cadáver de um homem de cor preta. Já em estado de
putrefação, fedentina que dele se desprende constitui sério perigo para os
habitantes daquelas redondezas.
O cadáver não se enterra
porque não tem o respectivo atestado. O escrivão não dá porque o morto é
miserável e não há quem possa pagar o atestado. O subdelegado, sargento
Vasconcelos, não é encontrado porquanto mora no Arruda, onde é estabelecido com
venda.
Quanto ao prefeito, um
tal sr. Veloso, mora em Beberibe e não dá sinais de vida, de forma que, pelo
visto, o cadáver será devorado pelos urubus. Esta notícia nos foi dada por um
habitante do lugar Caenga e que está ameaçado de uma seria infecção por morar
perto do cemitério. (Finalizou).
Jornal Pequeno, 24 de
novembro de 1914 – Uma reclamação (dizia o título) – Esteve hoje em nossa
redação o tenente Altino Manta, residente no lugar Caenga, distrito policial de
Beberibe, e contou-nos o fato abaixo, para o qual pede providências, então
fazendo-se intérprete de muitos outros moradores do lugar.
Ontem, às 4 horas da tarde,
com o consentimento do subdelegado do Arruda, capitão Bento Borges Leal, foi
feita a condução, do Arruda até o cemitério de Beberibe, do cadáver em rede, de
uma varíola de caráter hemorrágico.
À frente, gritando para
que fechasse as portas das casas, ia um sr. João dos Santos, que dirigia o
enterro. No momento, disse-nos o tenente Manta, a estrada em todo seu longo
curso, estava cheia de criancinhas que brincavam e assim se expuseram ao
terrível mal.
Em Beberibe, afirmou-nos
ainda que o queixoso, quando lá chegou o enterro o subdelegado local, sr.
Carlos Moraes, condenou o proceder de seu colega do Arruda, fazendo conduzir a
pestosa, aquela hora do dia, sem os requisitos precisos.
Realmente, acrescentamos
nós agora, é inacreditável que tendo o Estado carros especiais para a condução
de pestosos, de tanto sabendo e podendo solicitar qualquer autoridade policial,
o subdelegado Borges Leal não o tivesse feito e agisse a expor dezenas de vidas
à tão cruel doença. Precisa um corretivo o caso. (Finalizou).
Jornal Pequeno, 7 de
julho de 1933 - A Diretória da Fazenda Municipal do Recife torna público que
não havendo mais espaço para enterramentos no Cemitério de Beberibe (atual
Cemitério de Águas Compridas), a Prefeitura resolveu fechá-lo até ulterior
deliberação.
Jornal do Recife, 26 de
setembro de 1933 - Há cerca de oito meses foi fechado o cemitério de Beberibe,
por não ter mais espaço. A grande população daquele subúrbio vem sofrendo
bastante com essa situação. Não se pode avaliar o suplício que representa para
o pobre, fazer o enterramento de um ente querido, puxando a pé de Beberibe até
o cemitério de Santo Amaro. São três horas de caminhada sob sol inclemente.
Ao que soubemos, o
capitalista Thomaz Comber já doou o terreno necessário ao novo cemitério. Seria
para desejar que a Prefeitura providenciasse com urgência para preparar
convenientemente o novo corpo santo daquele subúrbio.
Jornal do Recife, 18 de
novembro de 1933 - São muitas as queixas
que temos ouvido. Elas andam na boca do povo.
- Isto é o castigo do
corpo! Puxa! Aí que ninguém aguenta! Antes caçar Lampião. E é assim
ordinariamente.
Domingo passado, dez do
corrente, sol a pino, saía de Passarinho, lá para dentro de Beberibe o enterro
de um popular, cujo óbito ocorrera na véspera às onze horas. Seis homens do
povo, camaradas daquele que já agora se imortalizará para sempre, conduziam seu
cadáver encerrado no caixão de pinho. Dali ao cemitério de Santo Amaro, aqui, como se
sabe de sobra, na cidade do Recife.
De trecho a trecho do
caminho um não pequeno número de quilômetros, uma parada. Uma parada a
reclamações, reclamações a esmo, porque afinal não havia ali quem estivesse em
condições de as ouvir tomando-as na devida consideração, que era e é o que
importa para que cesse o motivo determinante dessa caminhada.
Após a parada, em marcha
novamente. Marcha forçada com o intuito de se vencer a longa distância.
Verdadeiro suplício dos vivos na condução de cadáveres!
Está fechado, é público e
notório devido a uma nota da Prefeitura do Recife, o cemitério de Beberibe,
passando o enterro da gente que morre naquele populosíssimo distrito e no do Arruda, também populoso e suas adjacências, a ser feito no de Santo Amaro. Imagine-se!
A razão disso? - Ora, por não mais comportar o terreno nenhum cadáver, isto é –
não haver mais espaço devoluto; ora, diz porque...em Beberibe, tão especial
seria o seu clima, tão bom seu estado sanitário, que raríssimos seriam os
óbitos. A terra ideal, onde já não se morre...
O cemitério de Beberibe
conta quase cinquenta anos de utilidade pública, tendo sido até há pouco tempo
pertencente a municipalidade de Olinda, que o construíra. Há uns oito anos foi
reformado. Está lá à entrada na parede frontal da saleta da administração a
lousa com a inscrição assinaladora, que é esta:
“Aumentado e reformado na
administração do coronel José Cândido de Miranda (1925- 1928). Sendo
administrador deste cemitério Sabino José da Silva”.
Fomos visitá-lo domingo
último buscando subsídios para essa reportagem, que era necessária por se
tratar de assunto de interesse público o que se nos impunha, uma vez que já nos
chegavam aos ouvidos as reclamações populares à cerca do suplício a que estão
sujeitos os habitantes dos distritos mencionado, já toda vez que se tem de dar
sepultura ao corpo de quem tenha morrido ali.
O cemitério é construído
na Estrada do Caenga, “um bom pedaço” partindo da praça da Conceição, ponto
terminal da linha. A estrada não é larga, nem também estreita. Regular e
habitada. O portão dessa casa dos mortos fica defronte da casinha nº 556.
É uma casinhola mesma. De
taipa e coberta de folhas de zinco. Arreando-se dum lado. A frente dando-lhe
sombra. Uma mangueira e um florido de “papoula vermelha”.
O tipo perfeito da
espécie de habitação da nossa gente humilde, casa, cuja existência é um
arrastão penoso de indemências sem fim. Lançamos um olhar ao seu interior.
Moveis? - Nem sombra!
Dois caixões de querosene a um lado. A parede esquerda, um “alcoviteiro”. Ao
fundo, visível portando do lado de fora, num quadro tosco o retrato do
presidente mártir João Pessoa.
Dissemos mentalmente: -
Quanto é sincera a homenagem do povo! Em seu coração as conveniências não
penetram, de modo que seu culto é inalterável, incorruptível. Conseguimos
encontrar o encarregado do cemitério, José “do Caenga”. Com ele nos entendemos
sobre o fim que nos levava até ali.
Respondendo a nossa
pergunta, o bom homem nos disse:
- Trabalhava aqui
vizinho, nem ajudante tinha. Eram de cinco a oito enterramentos diários de
adultos e crianças. Morre muita gente aqui (Beberibe), no Arruda e por esse
mundo todo. ( E a ilusão da terra, onde já não se morre¿...) Por isso o “doutô
perfeito” (referindo-se ao prefeito do Recife, Antônio de Góis Cavalcanti) mandou fechar indo os enterros para Santo Amaro. Mas vai aumentar.
“Seu” Thomaz Comber cedeu uma faixa de terra. “Pega” a minha casinha. É aqui,
hoje, dum lado! Um engenheiro da “Perfeitura” veio saber por quanto vendo a
minha casinha, levantando, eu, uma nova noutro lugar. O “perfeito” tem pressa
em abrir de novo o cemitério. Disse ser em janeiro. Finalizou José do Caenga.
Segundo as explicações
acima, explicado fica porque foi fechado o cemitério aludido. É bem assim, que
a municipalidade do Recife vai abri-lo logo que tenha procedido ao seu
necessário argumento, que de fato – seu espaço é exíguo. Aliás, se o
alargamento não exceder do ponto que vai de seu muro lateral até a casinha do
José do Caenga. Ponto esse, encravado em terras de propriedade de mister
Comber, cuja opulenta vivenda, numa colina, fica em sentido fronteiro ao
cemitério e em posição magnifica, encravado e doado (já o referido não será
grande coisa).
Em futuro não longínquo,
nova ampliação será imprescindível, tendo-se em vista que Beberibe e Arruda,
cada dia que passa, mais populosa ficam e que no primeiro desses distritos,
muito grande que é, tendo outrora contado com sítios extensos, hoje, porém,
subdivididos em lotes de terras vendidos a prestações e onde estão sendo feitas
edificações, a densidade da população há de ser um fato inconteste.
Não padece dúvida; não
pode perdurar muito o fechamento daquele cemitério, pois é uma estupidez de
caminhar e se trazer um corpo daquele Beberibe ao cemitério de Santo Amaro.
Em bonde, do Recife até
lá, regula quarenta a quarenta e cinco minutos. Ora o enterro de gente do povo
é invariavelmente feito a mão. Que suplício não é, pois, vir dali, senão de
“Passarinho”, até o nosso cemitério?!
Por isso será de todo
interessante que a Prefeitura o reabra o mais depressa possível. (Finalizou)
Jornal Pequeno, 5 de
janeiro de 1934 – Cemitério de Beberibe (dizia o título) – Os moradores de
Beberibe apelam, mais uma vez, para o prefeito da capital, no sentido de ser
reaberto o cemitério local.
Não se compreende que a
população do velho subúrbio, na sua maioria paupérrima fique eternamente
compelida ao doloroso sacrifício de trazer um morto querido para sepultamento
em Santo Amaro. Não só as despesas duplicam como ressalta a desumanidade do percurso,
a pé, de mais de uma légua.
Não se compreende a
demora da reabertura do Cemitério de Beberibe, quando o capitalista Thomaz
Comber já fez doação do terreno necessário para aquele fim.
Gratos pela publicação.
Moradores de Beberibe.
O Cemitério de Beberibe
só voltou a funcionar em 6 de abril de 1934.
Por: Jânio Odon/ VOZES DA
ZONA NORTE
Fonte: Jornal Pequeno e
Jornal do Recife.
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