terça-feira, 30 de maio de 2023

O Viajante inglês

 

O viajante inglês Henry Koster em 1810, saiu da Tamarineira e passou pelos povoados de Beberibe, Mirueira, Paratibe, Igarassu e Goiana. Gravura: Thomas Ender (Ilustração).

O texto a seguir, mostra uma viagem fascinante realizada em lombos de animais de um aventureiro inglês chamado Henry Koster e sua caravana, partindo do lugar Cruz das Almas (na Tamarineira) em direção à Goiana, cortando morros, cruzando rios e riachos, enfrentando o calor escaldante e estradas intermináveis de locais pitorescos, vilas e povoados da zona norte da grande Recife. Passaram pela estrada velha de Beberibe (atualmente estrada velha de Água Fria), Caminho das Boiadas (estrada que cortava os atuais Alto do Pascoal, Alto Deodato, Alto dos Coqueiros e saía na atual Praça da Convenção em Beberibe), passou pelo povoado de Beberibe e atravessaram o rio Beberibe e logo depois o riacho Lava-tripas (Águas Compridas) e subiram o atual Alto da Conquista e desceram na Mirueira, e daí, seguiram por Paratibe até atingir Goiana. Veja a na íntegra o relato do viajante inglês registrado na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco que foi extraído do livro “Viagem pelo Nordeste do Brasil”:

Nutria eu grandes desejos de fazer uma extensa viagem nos lugares menos povoados e menos cultivados daquela região. O engenheiro e chefe formara o projeto de visitar todas as fortalezas do seu vasto distrito e teve a bondade de permitir que eu o acompanhasse; infelizmente, porém e em virtude de dependências de seu cargo teve de adiar a sua partida até a próxima estação.

Ignorando, eu se seria obrigado a voltar logo para a Inglaterra, não podia demorar-me tanto; em vista do que, pedindo informações aos amigos e conhecidos, soube que o irmão de um morador de Goiana estava preste a partir para aquela cidade e que provavelmente iria mais longe pelo interior do país a negócios comerciais que tinha em vistas. Eu tencionava ir até o Ceará, e pedindo facilmente obtive do governador um passaporte.

Na tarde de 19 de outubro de 1810, alguns amigos acompanharam-me à minha casa, na Cruz das Almas a fim de assistirem a minha saída, que devia realizar-se na noite seguinte. O Sr. Félix, meu companheiro chegou depois trazendo o seu guia, que era um preto livre. Achando-se concluídos os preparativos de nossa viagem, posemo-nos a caminho por volta de uma hora da madrugada, ao sair da lua, o Sr. Félix, eu e meu criado inglês, todos a cavalo, armados de espadas e pistolas; o guia preto, também a cavalo, mas sem cela e sem freio, levando um pequeno bacamarte, tangia na sua frente um cavalo carregado de bagagens com um mulatinho montado entre os viajantes.

Os meus amigos ingleses, despediram-se desejando-nos boa viagem quando saímos da Cruz das Almas (lugarejo da Tamarineira), e ficaram em minha casinha, que eu pusera à disposição de um deles, durante a minha ausência. Passara eu pouco antes pelo caminho que seguíamos ao clarão da lua e que antes percorrera tantas vezes que bem poderia servir de guia.

Durante ¾ de léguas marcharmos por um caminho arenoso e depois entramos a subir uma ladeira íngreme (Caminho das Boiadas), cujos lados e o planalto eram cobertos de arvoredos.

A povoação de Beberibe está situada no pé do oiteiro oposto; um riozinho (rio Beberibe) d’água por extremo límpida a atravessa; no verão várias famílias vão aí habitar. Meia légua além de Beberibe atravessamos outro pequeno rio (rio Lava-Tripas) e logo depois começamos a galgar a ladeira do Quebracú; a estrada (Alto do Conquista) em diferentes lugares é bastante inclinada e estreitíssima, tendo de um lado um precipício e do outro um terreno muito alto (Monte Berenguer, atualmente conhecido por Alto da Bondade) coberto de matos. O cume escarpado da colina é inteiramente plano e a vereda continua por meia légua entre elevados arvoredos e um solapado impenetrável. Descemos ao comprido e estreito Vale da Merueira (atual Mirueira) que é fertilizado por um regato que não seca nunca; os planaltos laterais são cobertos de espessas capoeiras; na planície avistam-se cabanas aqui e ali, hortas de bananeiras, roçados de mandioca e um imenso cercado onde pastam os animais. O declive do lado oposto a esse lindo vale, é bastante rápido; o caminho ao lado da esplanada, assemelha-se ao que havíamos atravessado.

Tornamos logo a descer e ao chegar embaixo entramos na solitária povoação de Paratibe, onde as plantações de mandioca, tanchagem e fumo, são por entre habitações. Os moradores na maior parte, consistem em trabalhadores livres, brancos, pardos e negros. As casas são construídas aos lados da estrada, à certa distância uma das outras, por espaço de uma milha. Um riacho que corre no centro da estação pluviosa transborda inundando as margens em considerável distância.

Cavalo transportando algodão, cena vista por Henry Koster ao deixar o povoado de Paratibe. Gravura: Henry Koster.

Depois dessa povoação a estrada é bastantemente plana, mas, todavia, diversificada por pequenas e desiguais elevações. Descobrem-se desse ponto diversos engenhos de fazer açúcar e numerosas cabanazinhas. O trânsito de matutos tangendo cavalos carregados de algodão, peles e outros produtos do país, que levam ao Recife, donde voltam com outras espécies de mercadorias, tais como peixes, carne seca, etc. É, por assim dizer, incessante.

A Vila de Igarassu onde entramos em seguida, foi já mencionada num dos precedentes capítulos. É uma das mais antigas fundações daquela parte da costa; distante do mar duas léguas e está nas proximidades de uma pequena baía. Os matos que marginam as veredas e as estradas, são tão espessos e solapados, que se tornam impraticáveis mesmo para um homem a pé, a menos que não leve consigo uma foice ou um machadinho com que possa abrir o caminho vencendo os obstáculos que se lhe oponham a passagem.

De tais obstáculos o mais formidável é o cipó, planta formada de compridos e flexíveis ramos que se enrolam nas arvores; as vergonteias que não se tenham agarrado ainda a algum pau, são impelidas pelo vento aqui e além; pregam-se às arvores que lhes ficam próximas; e como essa operação continua por muitos anos sem interrupção, forma-se uma espécie de filamento aparentemente irregular através do qual a passagem é bem difícil. Há muitas variedades dessa planta, a que tem o nome de cipó cururu é a mais apreciada pelo comprimento das hastes, pela fortidão e grande flexibilidade; empregam-se muitas qualidades de cipós na construção das paliçadas.

Parte da Vila de Igarassu é alta, a outra parte é baixa e regada por um rio sobre o qual há uma ponte indispensável, visto como subindo a maré até ali tornaria bastante difícil a comunicação entre as duas partes da vila.

É fácil de imaginar que ela disfrutou maior fortuna do que a de que hoje se pode lisonjear. Inúmeras casas são de dois andares; mas acham-se presentemente estragadíssimas e algumas caem em ruínas. As ruas são calçadas, mas em péssimo estado e a erva cresce em diversos lugares. Possui diferentes igrejas, um convento, um recolhimento ou retiro para mulheres, uma casa da Câmara e prisão. O lugar é delicioso semeado de engenhos, casas e fertilizado por muitos rios; passamos em seguida as aldeias do Bu e de Fontainhas; depois desta última a estrada segue um plano arenoso, quase descampado até descobrir-se o Engenho Bugiri, rodeado de campos e de verduras; além dessa fazenda corre o rio Goiana, que é preciso atravessar a vau, a maré sobe até ali. A ponte de madeira que havia outrora está em ruínas e é perigosa passagem para cavalos, pelo que entregamos os nossos ao guia, que, sem apear-se do seu fê-los atravessar o rio enquanto que nós, passamos sobre traves soltas. Esta operação não nos consumiu muito tempo e entramos logo na cidade entre 4 e 5 horas da tarde. Goiana dista do Recife, 15 léguas.

Em Igarassu, tive depois diferentes ocasiões de demorar-me nessa hospedaria. Uma vez sucedeu-me pedir sal, que nunca botam na mesa. O dono da casa com a familiaridade habitual do país, pareceu surpreendido do meu pedido, entretanto trouxeram-me e não se falou mais em semelhante coisa, isso passou-se pela manhã, pouco depois da nossa chegada. Ao jantar, com grande desapontamento nosso, a sopa e as demais iguarias, tinham tão forte dose desse desgraçado ingrediente que mal se podia comer. Queixamo-nos ao dono da casa, que respondeu: “Mas que eu pensava que os senhores gostavam de sal”.

A cidade de Goiana, uma das maiores e mais florescente da capitania de Pernambuco. Está situada nas margens do rio do mesmo nome, o qual quase que rodeia pelo circuito que faz nesse lugar. As casas com uma ou duas exceções tem apenas o pavimento térreo. As ruas não são calçadas, mas são largas; a principal o é de tal forma que se pôde edificar uma igreja numa das extremidades e deixar ainda cômoda passagem de cada lado. A cidade possui um convento de carmelitas e vários outros edifícios destinados ao culto.

Os habitantes sobem a 4 a 5 mil e a população aumenta todos os dias. Há muitas lojas e o comercio com o interior é considerável. Veem-se sempre nas ruas muitos matutos que vão vender seus produtos ou comprar mercadorias manufaturadas e objetos de consumo. Nas vizinhanças acham-se muitas plantações de cana. Creio que se pode classificar às terras dessa zona entre as melhores da Província.

Por: Jânio Odon/VOZES DA ZONA NORTE

Fonte: Revista do Instituto Arqueológico de Pernambuco.


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