quinta-feira, 1 de junho de 2023

O Viajante inglês "O Retorno"

 

Há mais de 200 anos, o viajante inglês Henry Koster, retornava da Ilha de Itamaracá durante o inverno de 1815, enfrentando os morros e as matas de Paratibe, Mirueira, Beberibe e Água Fria, em seu retorno para o Recife. Gravura: Ilustrativa.

O texto a seguir, retrata a trajetória do viajante inglês Henry Koster, no inverno de 1815, quando deixava a Ilha de Itamaracá rumo a Água Fria. Koster faz uma narrativa das dificuldades enfrentadas por ele e seu guia, Manuel, montados em seus cavalos num percurso cheio de obstáculos provocados pelas chuvas e os detalhes minuciosos da região dos povoados de Paratibe, Mirueira, Beberibe e Água Fria e locais que ainda nem existiam como povoados é o caso de: Santa Casa, Alto da Conquista, Águas Compridas e Alto do Pascoal, através da antiga Estrada da Boiada. Além de detalhes sobre a fauna, como personagens que enriquece esta história que aconteceu há mais de 200 anos. Acompanhe parte dessa linda aventura extraída do livro  “Travels in Brazil” de Henry Koster, traduzido por Luiz da Câmara Cascudo em 1942 com o título: “Viagens ao Nordeste do Brasil”.

Antes do começo das chuvas em 1815, deixei Itamaracá com Manuel, pelas 4 horas da tarde, bem retardado por ocorrências imprevistas. A temperatura era boa e a lua se devia erguer brevemente. Esperava uma noite agradável, mas quando estávamos a umas três léguas da ilha a chuva começou a cair abundantemente, chegando à plantação de inhame, meia légua adiante, estávamos completamente molhados. Imediatamente depois desse lugar o caminho tem ao lado uma alta colina, e a água se precipitava em grande quantidade, cobrindo até os joelhos dos cavalos, e não obstante, alcançamos a estrada das boiadas e paramos em uma venda á margem do percurso. Comprei uma grande dose de aguardente e a despejei sobre minha cabeça e ombros e nas minhas botas, fazendo Manuel o mesmo, e bebemos uma boa parte. Esse processo é geral. Tendo-o em seguido há algum tempo e mesmo ficando exposto às chuvas no correr do ano, nada sofri, nem mesmo padecendo outro ataque de febre, mas é possível atribuir-se o fato as precauções mais a excelência do clima.

Quando atingimos a povoação de Paratibe a noite estava fechada. Encontrei Antônio, o homem a quem haviam armado uma emboscada quando eu residia em Jaguaribe, e pediu-me que ficasse em sua choupana, mas preferi seguir, embora estivesse ensopado pela chuva. Subindo a colina além de Paratibe, tinha eu a esperança de uma linda noite porque a lua clareava, mas só apareceu alguns instantes. No Vale da Mirueira a chuva nos apanhou novamente e com relâmpagos, e fomos pela floresta, através do vale, numa treva tão imensa que impedia avistar o cavalo de Manuel, enxergando apenas pelo clarão dos relâmpagos, embora o animal fosse de uma cor cinzenta, aproximando-se do branco, e eu estivesse tão vizinho que o encontrava, tocando-o. Quando chegamos perto da colina que desce para os arredores de do Recife, recomendei tomar à esquerda porque há um precipício perigoso na direita da estrada. Não me ouviu ou seu cavalo era teimoso, e seguiu muito pela direita, escorregando e caindo num ponto a poucas jardas do lugar que devia evitar. Desmontei para auxiliar Manuel, vendo o que passava apenas pela luz dos relâmpagos. Perguntei por ele mesmo, seu cavalo e sua pistola e recebi como resposta que tudo ia bem. Disse-lhe: “Onde está o caminho?” porque volteara tanto, em pontos diversos e tantas vezes, para socorrê-lo, que não tinha noção do rumo que deveria tomar para reencontrar a estrada, e, indeciso, por um momento formei a ideia de ficar no local até que o dia rompesse. Mas, falando a Manuel se ele tinha uma certa lembrança sobre o caminho seguro, respondeu-me com voz áspera, porque estava molhado e contundido: “Vejo o caminho, não tenha receio âmo!” Seguiu, e eu acompanhei-o levando cada qual o seu cavalo. Descemos por uma orla porque a estrada estava muito escorregadia, devido à chuva e não era possível avançar doutra maneira. Meu cavalo bateu-me com a cabeça várias vezes e pouco faltou para que tombasse. A estrada teria seis pés e num lado havia o fundo precipício formado pelas torrentes na época chuvosa, determinando ao solo desmoronamentos e, na margem oposta, a declividade é menor, mas é coberta de bosques de arvores onde é possível perder-se sem luz.

Chegamos ao pé da colina sem acidentes e quando atingimos a povoação de Beberibe a chuva cessara, a noite estava clara, não obstante a lua continuar oculta. Cruzamos vagarosamente a colina além de Beberibe e alcançamos Água Fria, residência de um dos meus amigos, a duas léguas do Recife, entre uma e duas horas da madrugada. Se o tempo estivesse bom, teríamos chegado às 8 ou 9 horas da noite anterior. O instinto (se o posso assim chamar) que os indígenas possuem, assim com grande número de negros e de mulatos, de encontrar o caminho certo, sempre me surpreendeu, mas não tanto como nessa ocasião. Eu nada podia enxergar, mas Manuel estava certamente convicto de conhecer a estrada, ao contrário não falaria de modo tão arrogante. Ele possuía uma grande reserva de coragem mais era sempre frio e prudente.

Passei em Água Fria uma das horas mais agradáveis da minha residência no Brasil. O dono é um cavalheiro inglês ao qual devo muitas obrigações. Erámos amigos íntimos e me sentia à vontade em Água Fria como em Itamaracá. O lugar estava em situação desoladora quando ele tomou posse, e mesmo que o solo não fosse muito propício, o sítio prosperava. Construíra uma boa casa, edificando galpões, fazendo cercas e plantando árvores úteis e ornamentais. O lugar era infestado pelas formigas vermelhas, mas, com muito trabalho, as destruíra, escavando o solo para matar os formigueiros. Detrás da residência havia um lago, de considerável extensão, formado por um riacho cujo curso parara pelo entulho de areia solta e branca na parte onde passa a estrada, sendo esta, de uma banda, mais elevada que o lago assim como os terrenos onde o riacho antigamente corria. Quando as águas descem pelo inverno o lago transborda e alaga a estrada, mas durante a maior parte do ano o caminho é seco ou quase seco. Se esse lago fosse drenado, a propriedade de Água Fria valeria dez vezes mais o que vale atualmente, porque seus limites são dados pelo mesmo canal do riacho. O lago é coberto de juncos, caniços e ervas, cujas raízes entrelaçadas formam uma espécie de tecido a flor d’água, não suportando o peso de um homem, mas exigindo muito esforço para abrir-se uma brecha através dele. Nesse lago há numerosos jacarés ou aligátores (tipo de jacarés encontrados na América do Norte e na China), tornando perigosa a operação de cortar os juncos, necessária para abrir um espaço para bebida e banho dos cavalos, assim como para guardar a erva seca que será alimento para os animais no verão. Vou mencionar, entre outras, a família dos lagartos. O camaleão pode ser citado assim como o teju Assú, que penso ser a” lacerta teguixin”, esse último é muito comum. Há também o calangro, menor que os outros dois, e essas espécies são comidas pela gente do povo. A vibra e a lagartixa são duas espécies pequeninas de lagartos, podendo ser vistas em todos os lugares, nas casas, nos jardins e nos matos. Fazem mais benefícios que males, devorando moscas, aranhas, etc, e são, para os meus olhos, lindas criaturas. Sua atividade, e ao mesmo tempo, sua timidez, agradavam-me.

Viajando para o Recife, através das matas da Mirueira, ouvi várias vezes o rouco coaxar do “sapo cururu” e também o “sapo boi” ambos de voz bem desagradáveis e particularmente sonoras, durante as noites invernosas que descrevi. Os gritos constantes dos grilos, logo que o sol se põe, raramente deixa de aborrecer os recém-vindos a esse país. Recordo-me da primeira noite que passei na região, quando da minha chegada a Pernambuco. Conversando, detinha-me várias vezes, esperando que o rumor cessasse, depois prosseguia (como sucedeu a várias pessoas) e finalmente já não ouvia o barulho nem que se fizesse em minha presença. Quando um desses grilos se instala numa habitação não há sossego antes que o desalojem, devido à insistência do seu apito...

Por: Jânio Odon/VOZES DA ZONA NORTE.

Fonte: Livro: Travels in Brazil, Henry Koster.

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