quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Trajetória de um líder comunitário

Ex-Presidente do Centro Comunitário do Alto Santa Terezinha (1989 a 2006) , Odon Gomes de Alencar
A vida muitas vezes oferece uma diversidade de obstáculos, traçando nosso destino em linhas inimagináveis e acontecimentos espontâneos e inesperados. Dentro deste contexto, esta é a história de um homem de origem humilde, batalhador, corajoso, honesto, bondoso e de um carisma impressionante, adjetivos quase inexpressivos, tamanha suas virtudes. Esta pessoa, trata-se de meu pai, Odon Gomes de Alencar, que nasceu em 10 de Fevereiro de 1935, na Fazenda Cajazeiras, propriedade Vargem, no Município de Pio IX, distante 459 km de Teresina, capital do Piauí. Filho de Maria Raimunda de Alencar (Senhara) e Odon Gomes de Alencar (pai).

Mudou-se ainda jovem para Simões (PI) em 1945, e dois anos depois, mudou-se para Jaicós (PI), de onde deu início toda sua odisseia em busca de melhores oportunidades na Cidade do Recife. Odon, que tinha ainda seis irmãos – Inácio, Francisco,Valdo, Ozias, Nair e Geni, e que havia perdido seu pai quando tinha apenas um ano e quatro meses. As dificuldades surgiam naquela pequena cidadezinha do interior piauiense, obrigando que um a um fossem deixando para trás seus parentes e amigos, até que chegou a vez de Odon, que tinha apenas 16 anos em 1951. Seu irmão mais velho, Francisco, já residia aqui no Recife, em Casa Amarela, bairro da zona norte, e tinha uma marcenaria . Resolveu então, chamar Odon para ser seu ajudante. Odon não excitou e resolveu vir para o Recife, com apoio de mãe Senhara, dando-lhe alguns trocados e que na despedida ficou com um conjunto de roupa dele e vos falou que guardaria e o mostraria um dia quando Odon fosse doutor na cidade grande. Odon embarcou na boléia de um caminhão acompanhado de um estudante piauiense de Oeiras que vinha estudar também na Veneza Brasileira. A viagem foi longa e desgastante, parecia não ter fim, aliada à ansiedade, medo e incertezas.

Até que horas a fio de viagem no desconforto daquele bendito caminhão, aquele garoto assustado, chega a sua primeira parada no bairro de Tejipió, desorientado e sem conhecer nada, pedi apoio a um rapaz negro, informando-o que desejara chegar ao bairro de Casa Amarela. O rapaz diante da situação, disse que o levaria até a parada de ônibus do citado bairro, na rua Marquês de Olinda, no Recife Antigo, entretanto, cobrou-lhe a quantia de Cr$ 20,00 (vinte cruzeiros), Odon não excitou e concordou logo. Chegando no Recife Antigo, Odon fica encantado com aqueles edifícios e casarões seculares, algo jamais visto por aquele garoto da pequena cidade do interior piauiense.

Após momentos de encantamento, Odon embarca no ônibus e chegando em Casa Amarela seguiu até a rua Sempre Viva e no endereço indicado procura pelo irmão Francisco que não se encontrava, um alfaiate que morava ao lado, o informou que ele havia saído e que voltaria mais tarde. Odon segui até o sanitário, e por engano entra no banheiro errado de uma pensão onde residia alguns praças da polícia. Ao sair do banheiro se depara com a dona da pensão que dá-lhe uma bronca e que não o deixa explicar, quando o alfaiate explica para dona da pensão que o garoto era irmão de Francisco, acalmando a esfuziante senhora. Depois de ter passado pela aquela situação vexatória, o garoto desceu até o Largo de Casa Amarela para fazer um lanche, e pede a garçonete um pão doce e um refresco, diante das vestimentas um pouco surrada e da pouca idade daquele garoto, a garçonete pensou que tratava-se de um pedinte, tamanha a surpresa quando o garoto retirou o dinheiro do bolso para pagar o lanche, ela indagou:
- Você vai pagar?
- Claro, eu estou com dinheiro
Respondeu o garoto.
Ela falou:
- Eu pensava que você estava pedindo (de graça).
Surpresa e com sentimento de pena a garçonete pergunta para o garoto de onde ele veio. Chateado, irônicamente ele responde:
- Eu vim passar fome aqui no Recife.
Retirando-se em seguida da lanchonete.


Odon em 1953

Retornou para a casa de seu irmão Francisco que já havia chegado e lhe deu um forte abraço num reencontro emocionado. Ao passar dos dias, Francisco matriculou Odon, na Escola de Dona Ione, próximo a Praça de Casa Forte. Seis meses depois, Francisco muda-se de Casa Amarela, porque os negócios não iam muito bem, e vai morar no bairro dos Coelhos, numa das casas de Dona Hermínia, próximo ao mangue. Seu irmão Francisco desta feita, matriculou Odon no Colégio Dom Bosco, próximo ao Colégio Salesiano. Nos Coelhos, moraram durante quase um ano, quando Francisco alugou um ponto melhor localizado, na Rua da Matriz, Nº40, no bairro da Boa Vista, neste local, Francisco, viveu um bom momento nos negócios e ganhou dinheiro, pois recebeu muitas encomendas de guarda-roupas, armários, quadros e principalmente de radiolas, Odon trabalhava de ajudante lixando e envernizando móveis e contratando os carroceiros para levarem as encomendas.

Depois de algum tempo, novamente mudaram-se, desta feita, para Rua do Hospício, próximo ao hospital do exército. Os negócios continuavam de vento em polpa, mais como tudo que é bom dura pouco, depois de alguns meses, a dupla já estava de mudança novamente, agora, para o bairro do Arruda, propriamente na rua da Intendência, onde desta vez ficava só a marcenaria, o curioso de tudo isso é quê, ao saber que os dois eram da Família Alencar, o proprietário, negou-se a receber a fiança alegando que esteve no estado do Acre e que lá conheceu algumas pessoas da referida família e que eram pessoas da melhor qualidade. Para residir, alugaram uma casa na Rua Jupi, no bairro da Campina do Barreto, próximo a igreja de Santo Antônio.

Tudo parecia perfeito, Francisco e Odon mantinham um bom relacionamento com a vizinhança e os negócios iam bem, até que, o barulho com as marteladas e maquinários, começaram a incomodar os moradores que ocultamente, queixavam-se da barulheira ao proprietário do imóvel, o senhor que nutria de um carisma pela dupla e mesmo de contra gosto, informou o fato e pediu que os mesmos desocupassem o ponto. Desta feita, Francisco seguindo seu tradicional ciclo migratório, mudou-se para Rua Alegre, no bairro de Água Fria, onde funcionou a marcenaria, o momento era muito bom, e os negócios seguia numa escala vertical ascendente, tanto que na ocasião, Francisco comprou duas maquinas, sendo uma para serrar madeira e uma outra para emparelhar (para fazer moldes no mesmo formato), um torno e uma caminhonete, tendo trocado por outra mais nova pouco tempo depois. Em 1955, Francisco, já casado, começou a construir sua casa na mesma rua da marcenaria e após concluída, transferiu a marcenaria para lá em definitivo. Odon, por sua vez, deixou de trabalhar com o irmão e foi trabalhar em seu primeiro emprego de carteira assinada, sendo admitido em 1º de Julho de 1955, na função de auxiliar de balcão, na Loja Cunha Rego, Rua da Praia, 153, Recife, entre 1958 a 1959, conheceu Severina Maria Mathias, uma jovem que como ele, veio do interior pernambucano - Feira Nova - aventurar melhores dias na cidade grande, essa mulher maravilhosa, batalhadora, que é minha mãe, teve seis filhos – Jânio, Henrique, Rejane, Helder, Rejiane e Orestes. Odon permaneceu em Cunha Rego até 30 de Novembro de 1960.

Em 2 de Janeiro de 1961, começou a trabalhar na Casas José Araújo, rua do Imperador, 452, também no Recife, exercendo a mesma função anterior, onde permaneceu por apenas seis meses, em virtude de seu outro irmão Ozias, tê-lo chamado para ser sócio em um crediário como prestamista, Odon aceitou a proposta de Ozias e tornou-se prestamista de 1961 à 1983, quando o país mergulhou numa crise econômica sem precedentes, com infração altíssima, desvalorização da moeda e o poder aquisitivo da população cada vez mais baixo, o que tornou-o inviável para Odon prosseguir com as vendas de suas mercadorias que aumentavam de preço a cada dia e as pessoas não conseguiam pagar. De 1983 a 1984, as coisas ficaram difíceis, mais há um ditado que diz: “Quem trabalha Deus ajuda”, e assim, Odon vendeu água sanitária, fez amizades, até que conheceu o professor Cláudio, que o chamou para trabalhar como vigia na Escola Rotary, no Alto do Pascoal, periferia do Recife, sendo nomeado posteriormente, agente administrativo, efetivando-se funcionário público do Estado de Pernambuco, pela Secretaria de Educação, em 15 de Outubro de 1984 à 10 de setembro de 1990, quando aposentou-se.

A LUTA COMUNITÁRIA

Em 1980, Odon vendo as dificuldades enfrentada pela comunidade do Alto Santa Terezinha e da Bomba do Hemetério, com quedas de barreiras no inverno, falta de escolas, postos médicos e falta de moradias, já que muitos moradores da comunidade morava de aluguel e outros problemas estruturais. Juntamente com outros moradores da comunidade, decididos a engajarem numa luta incessante em favor do bem comum dos moradores. Odon juntamente com outros valorosos líderes como: o casal, Francisco e D. Aurora (falecida) da Rua Antõnio Meira, Manoel Severino(falecido) da Rua Pastor Benoby, Francisco, Zé Luiz, D. Mãezinha, D. Dorinha, D. Lia de seu Inocêncio, seu Praça, Celestina, Manoel Camilo (falecido), Geraldo da Rua Elza, João Joca da Rua Manoel Silva, Manoel Gomes entre outros.
O movimento comunitário começou a reunir-se na sede do Lar Brasileiro, no Córrego Antônio Rodrigues, nas residências de D. Aurora e de Odon. A primeira diretoria do Conselho de Moradores do Alto do Pascoal e Bomba do Hemetério formada ainda em 1980, era composta por: Manoel Severino (Presidente);
Francisco Araújo (Vice-Presidente);
Dona Aurora (Secretária);
Sr. Praça (Tesoureiro);
Zé Luiz (2º Secretário);
Odon (Presidente do Conselho Fiscal).
As primeiras providências adotadas pelas lideranças do Conselho de Moradores foram a luta pela posse de terra da Bomba do Hemetério e Alto do Pascoal, o não pagamento da posse dos terrenos por aqueles que ali residiam; construção de barreiras, muros de arrimos e escadarias e pavimentação das ruas. Durante a administração do prefeito Gustavo Krause, muitas dessas reivindicações foram atendidas, como: construções de muros de arrimos e escadarias, além de pavimentação de várias ruas através do projeto “Um Por Todos”.

Odon que mora até hoje na Rua Arapixuna ( antiga rua 35), no Alto Santa Terezinha, andava um pouco desanimado pelo fato de a maioria das obras realizadas estarem direcionadas para o Alto do Pascoal e Alto dos Coqueiros e as divergências com Manoel Severino, que queria resolver tudo a sua maneira sem ouvir os demais membros do Conselho de Moradores. O líder do Centro Comunitário do Alto Santa Terezinha era Nilo, que muito lutou pelos tíquetes de leite para aquela comunidade.

Em 1982, quando assistia a missa dominical na Capela de São Bartolomeu “Capelinha”, localizada no inicio da Rua José Amarino dos Reis, Seu Cipriano colocou um bilhete no bolso de Odon. Era um convite para uma reunião, numa quinta-feira, na mesma Capela, para que ele apoiasse o grupo de Cipriano, para lutar pela construção de uma escola e um posto médico na Bomba do Hemetério, Odon aceitou o convite e ficou participando paralelamente dos dois Conselhos de Moradores.

Em 1989, José Lopes que fazia parte do Centro Comunitário do Alto Santa Terezinha, convida Odon para ser o presidente, já que Nilo entregara o cargo. A partir daí, Odon começou a luta de fato pelos interesses da comunidade do Alto Santa Terezinha e Bomba do Hemetério, entre suas conquistas estão: 350 metros de muros de arrimos para Rua Arapixuna e Rua Tamboara, melhorias de casas, escadarias, depois mais muros de arrimos em cem residências e conseguiu junto com a comunidade 120 lotes de terrenos em Passarinho. Antes de assumir o Centro Comunitário do Alto Santa Terezinha, lutou pela aquisição do terreno, que antes era uma vacaria e pertencia ao Sr. Otávio Dias, que vendeu o terreno pela quantia de CR$ 20.000,00 ( vinte mil cruzeiros) sendo construído a Escola Mardônio Coelho, considerada uma das maiores conquistas da comunidade, e o Posto de Saúde Dr. Luiz Wilson, outra grande conquista.

Odon, destacou-se como um grande líder pela sua garra, obstinação pela causa e por confrontasse destemidamente diante as autoridades governamentais, não aceitando imposições contrárias aos interesses da comunidade. Atualmente Odon aos 75 anos, aposentado, não chegou a ser doutor como queria Senhara, sua mãe, mais foi um doutor da vida que conquistou muitos benefícios para sua comunidade e hoje prefere a tranqüilidade de seu lar que à agitada vida de um líder comunitário.

Por: Jânio Odon de Alencar.

2 comentários:

  1. Bom dia Jânio, sou uma admiradora do seu pai. Aliás, tenho ele como se fosse um parente meu. Trabalhei na PCR e atendia muito o Sr Odon.
    Gostaria de ter notícias dele. Obrigada!!

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  2. Qual é o seu nome? Meu pai hoje está com 86 anos, está com a visão limitada e sofreu um AVC que impossibilita de andar só pela rua. Todavia, ele se encontra bem e sóbrio. Um abraço.

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