Escadaria construída na Zona Norte do Recife na gestão do prefeito Augusto Lucena (1964-1969). Foto: Revista O Cruzeiro (1967).
O texto a seguir, feito pelo
jovem jornalista do Diário de Pernambuco em 1969, Samir Abou Hana. O texto
mostra as dificuldades e o cotidiano da população pobre dos morros da periferia
do Recife no final da década de 1960, onde muitas coisas mudaram. As casas de
taipa, deram lugar as casas de alvenarias e muitas se verticalizaram. As
escadarias surgidas durante a ditadura militar e na audácia do prefeito Augusto
Lucena, considerado por muitos, o melhor prefeito que o Recife já teve. Hoje,
as escadarias ganharam corrimões e a qualidade de vida das pessoas em
comparação aos dos anos 60, melhoraram bastante, apesar que muitas pessoas
passam pelas mesmas dificuldades do passado, mas já podemos ver muitas pessoas
com carros e motocicletas e os ônibus subindo o morro. O que nunca mudou foi a
superlotação dos ônibus, esses continuam do mesmo jeito de antes. Leia o artigo
publicado pelo Diário de Pernambuco, no sábado de 28 de junho de 1969, e tire
suas próprias conclusões.
É MAIS FÁCIL SUBIR O MORRO PELA
ESCADA (Dizia o título). Pouca gente sabe que nas extensas filas que se formam
nas paradas de ônibus, nas horas de maior movimento, estão pessoas que residem
em mocambos pendurados nos morros de Tejipió, Casa Amarela, Vasco da Gama, Nova
Descoberta ou Beberibe.
Nesses bairros, chamados
populares, apesar de existirem casas ajeitadas, onde habita a classe submédia,
em ruas próximas à avenida e ao transporte, as outras mais além não passam de
casebres, onde mora a “raia miúda”, a plebe, a população mais humildes desta
metrópole do Nordeste. São pessoas que saem da fábrica ou do biscate e vão
arrear o corpo enfadado num colchão duro de capim ou numa esteira.
Mesmo assim o casebre é tão
querido e a soneca tão almejada. É que gastam energia quando descem ou sobem os
morros e altos. Suam no trabalho ou no biscate. Uns cansam da própria caminhada
pela cidade, à procura do ganha-pão! Andam em ônibus lotados, com a impaciência
enervando o corpo, a fome afetando a serenidade e a revolta causando tristeza.
É nessas horas que o mocambo é
tão querido e o repouso ansiosamente aguardado. O cansaço e a fome pedem a cama
de colchão duro ou a esteira no chão frio e úmido.
Um exemplo – No Alto do Mundo
Novo, no Vasco da Gama, a ladeira vai subindo, subindo... Parece um nunca
acabar. Dá a impressão de que o fim terminará juntinho do céu... Está lá para
quem quiser ir. Num dos lados há o acesso ao Alto Treze de Maio, bem mais
elevado, repleto de mocambos e crianças nuas e barrigudas fazendo astúcias nos
casebres dos vizinhos.
A Prefeitura calcula em três
quilômetros e meio a extensão das duas elevações. Pois, bem: toda essa
caminhada fatigante é percorrida por quase dez mil pessoas que sobrevivem por
aquelas bandas, mas que tentam o ganha-pão no centro da cidade. Empregados,
uns; ambulantes, outros; biscateiros e uma quantidade enorme de pais de família
sem qualificação profissional, perambulando o dia inteiro em busca de uma
viração.
Escadarias – Bem-feitas e com
degraus de altura máxima atingindo vinte centímetros. Augusto Lucena (prefeito
anterior) edificou cerca de quarenta escadarias e, agora, o prefeito Geraldo
Magalhães pretende construir outras tantas. Onde não for possível abrir
estradas a Prefeitura fará escadas por entre os mocambos e morros escarpados,
com descansos (espaços mais alongados) após cada lance de dez degraus.
O que se tem verificado,
ultimamente, é que o aterro dos alagados e a derrubada de favelas, com
modernização dos nossos subúrbios, que vão adquirindo características de
núcleos habitacionais da classe média, os mocambos estão sumindo das zonas
planas. E a pobreza, sempre pobreza, sem meios até de pagar uma prestação de
casa popular do BNH (Banco Nacional de Habitação), vai se mudando de local. É a
peregrinação da miséria que vivia no centro mas que, cada vez mais, sobre os
morros enxotada pela civilização que ainda não beneficiou a todos.
Há favelas em Beberibe, por
exemplo, onde as casas penduradas em pequenas barreiras. Ameaça permanente de
desabamento e risco de vida a todo instante.
Nessa história de mocambaria há um aspecto interessante. O córrego, a subida e a rua central de cada cimo de alto são locais privilegiados porque apresentam casinhas já com feições de residências, bem ajeitadas. Já as casas afastadas da rua, atrás uma das outras, cravadas nas ladeiras dos morros, montadas em barreiras, de acesso mais difícil, têm aparência lastimável. A taipa vai caindo e as paredes se apresentam como esqueletos. Finalizou.
Samir Abou Hana foi secretário de imprensa na gestão do prefeito Augusto Lucena. Foto: Arquivo de família.
Samir Abou Hana, de origem libanesa por parte de pai e pernambucano de nascimento. O grande comunicador das rádios e televisão pernambucana, ficou conhecido nos meios de comunicação por saudar seus ouvintes com uma "ternurinha" e por acalentar os corações de muitos com o seu "conselho de coração" com sua voz poderosa e única. Por reinvindicar melhorias para a população, que ganhou destaque durante a grande enchente de 1975, ficou conhecido como "O Secretário da Cidade". Samir Abou Hana faleceu aos 79 anos, na sexta-feira, do dia 10 de dezembro de 2021.
Por: Jânio Odon/VOZES DA ZONA NORTE
Fonte: Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio e Folha de Pernambuco.
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