Um artigo me chamou atenção, publicado pelo extinto Jornal Pequeno, do Recife, em 9 de setembro de 1946, sobre a vida cotidiana dos moradores do morro nos momentos festejos de finais de semana, em especial, o Alto do Céu, que oficialmente é uma localidade da zona norte do Recife pertencente ao bairro do Porto da Madeira, mas que muita gente acha que pertence ao bairro do Alto Santa Terezinha, Água Fria ou Beberibe. O Sítio do Céu, deu origem ao Alto do Céu. Veja na íntegra o artigo completo:
O Diabo no Céu- (Dizia o título).
A estrada do Porto da Madeira – Beberibe., bifurca-se pela direita e pela
esquerda. A esquerda fica São Benedito (descida da atual Rua Dalva de Oliveira)
e à direita, subindo, O Sítio do Céu ( ficava na atual Rua Conselheiro Barros
Barreto).
No alto, a população é toda de
gente humilde, não se enfurna na tristeza. Aos domingos, os que tem saúde caem
nesta coisa deliciosíssima – farra. Um violão, um bombo e um reco-reco formam
uma orquestra pouco sinfônica, porém, muito pernambucana.
Como há o Sítio Novo, o Sítio do
Balsal, há também o Sítio do Céu. O povo dali é divertido, mas não é brigalhão.
No “xelelé” domingueiro corre a “herva de pau”. É assim que lá se chama a
cachaça, porém barulho nunca houve.
...Aconteceu um deste domingos um
fato que arrepiou a população. Aquilo que os moradores, simplificando a coisa,
chamam o céu. Virou um verdadeiro inferno, o que deu motivo a esta declaração
da minha lavadeira: - Creia o sinhó, como o diabo andou solto no céu!
Não me espantei, porque vi logo
que se tratava do sítio e não da abobada azul, da celestial mansão, para onde
irão quando morrer, os comerciantes do Recife que não sabem, ou sabem, mas não
querem explorar o povo.
Com um pouco mais de detalhe, por
parte da preta lavadeira, vim a saber que, no domingo, houve uma festinha na
casa de um velho morador do sítio. Era uma reunião familiar, mas, isto não
proibia que pessoas sem família tomassem parte no “rela”.
Os convidados de instante a
instante, molhavam a guela. Em dado momento, apareceram dois homens bem-vestido
e foram entrando na dança. Para que os presentes ficassem certos de que não
eram granfinos pediram um pouco de “erva de pau”. Beberam, endireitaram o laço
da gravata e soltaram as pernas, nos braços de duas “morenas” que eram no
momento, e serão sempre todo orgulho de nossa raça. Mas, não se sabe por que,
uma das morenas foi ficando desanimada para o arrasta-pé. O desânimo aumentou e
ela resolveu deixar o cavaleiro. Uma vez livre, saiu a dizer qualquer coisa,
baixinho, no ouvido das outras morenas. E o fato é que ninguém quis dançar com
o cavaleiro.
Este, nota que está sobrando,
mas, não lhe convém dar parte de fraco. Toma outra “erva de pau”. Ingerida a
droga dirige-se a orquestra e pede para o maestro que era o que tocava bombo,
tocar a marcha: “Sai cartola”. O maestro não atende. O cavaleiro pede outra vez,
insiste no pedido e, por fim, chega à conclusão de que não pode dançar.
Então, só lhe ocorreu, no
momento, fazer uma coisa. E fez. Aproximou-se do bombo e varou-o com um murro.
Fechou-se o tempo. Pela primeira vez teve barulho no Céu. Houve caras e pernas
quebradas.
Por isso, é que se diz lá na Água
Fria, onde moro, que o diabo andou solto no céu. No Sítio do Céu, bem entendido.
Por: Jânio Odon/ VOZES DA ZONA
NORTE
Fonte: Jornal Pequeno (Recife)
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