Este fato ocorreu há 148 anos atrás, no povoado de Beberibe, ao norte do Recife. Os moradores do povoado estavam indignados e insatisfeitos com os excessos e a falta de compromisso com que o subdelegado Manoel Maria conduzia o policiamento daquele arrabalde, que começava a crescer com a chegada do trem a vapor, pouco mais de três anos. Beberibe nesta época, ainda não tinha luz elétrica. Tudo era na base do lampião e do candeeiro, mas era um lugar aprazível, com um clima agradável e um rio ainda propício para o banho, lugar de veraneio, com muitos sítios e casarões e passeios a cavalo. Mas havia também, muita pobreza ao redor, muitos casebres e muitos problemas com os gatunos, que arrombavam residências para furtar objetos, roubavam animais. Havia também, muitas brigas durante as bebedeiras, com uso de facas e peixeiras. Estes eram os delitos mais comuns neste centenário povoado.
O jornal recifense “A Província”
em 18 de setembro de 1875, publicou uma carta-denúncia enviada pelos moradores
do povoado de Beberibe em desfavor do subdelegado Manoel Maria, solicitando ao
governador João Pedro Carvalho (Presidente da Província de Pernambuco) sua
exoneração e a troca de todo efetivo destacado em Beberibe. Leia na íntegra a
carta:
Senhores redatores da Província –
Peço-lhes por especial favor que chamem a atenção do excelentíssimo Sr.
Presidente da Província, visto que o Sr. chefe de polícia continua em sua
costumada sonolência, sem providenciar no sentido de melhorar a segurança dos
habitantes do povoado de Beberibe, conservando como subdelegado* um tal de
Manoel Maria, homem desmoralizado, sem critério nem força moral, corrompido por
todos seus atos.
O escândalo deste celebérrimo
subdelegado chega a tal ponto, que na casa em que mora tem mulher, e filhas já
moças, nesta mesma casa uma concubina teúda* e manteúda* com grande número de
filhos!
Não é preciso dizer-se nada mais
para provar a sua moralidade. Seria melhor que Sua Excelência mandasse retirar
as praças* de polícia que aqui estão destacadas, as quais vivem em continuadas
vadiações, empregando o maior tempo em dormir. O subdelegado é contínuo de uma
repartição, vai às 8 horas, e volta às 4 e meia da tarde, ocultando-se depois
que chega da repartição, de forma que ninguém o descobre; e assim ficamos
observando os escândalos, as insolências dos que aqui vivem dia e noite armados
de pistolas, e facas aterrorizando as famílias, que aqui residem.
Dos roubos já não se fala; há
dias foram os larápios à taberna do tenente Silvestre, mas encontrando grande
resistência, por ter o dono arrumado uns bancos por trás das portas, deixaram
de realizar o roubo. E assim e tudo mais, sem que possamos contar com a garantia
e segurança por parte da polícia.
Há dias, aqui no lugar Porto da
Madeira, faleceu Maria Brendé, lavadeira, deixando meios de ser sepultada no
cemitério de Olinda, mas o conceituado subdelegado dirigiu-se ao lugar e tratou
de inventariar os poucos bens da finada, mandando levá-los para casa de sua
residência. Os bens constituía-se em um baú, com alguma roupa, uns ourinhos,
duas cabras, sendo uma parida, que mandou para casa, que tinha um filho que
precisava de leite, e a outra vendeu a uma tal de Izabel por 4 mil réis, e um
tacho de cobre que procurava venda por 10 mil réis, mais uma casinha de palha
que ele quer 40 mil réis.
Depois deste inventário entendeu
que devia mandar sepultar a infeliz na capoeira, aonde existe os restos de uma
capela denominada São Boa Ventura*, no lugar Caenga, em Beberibe!
Os fatos deste subdelegado são
tantas que pedimos ao Exmo. Sr. Presidente que mande averiguá-los. Este mesmo
subdelegado já havia sido demitido a bem do serviço público em 1869.
*Subdelegado – É o mesmo que
comissário.
*Praças da polícia – É o mesmo
que soldados.
*Manteúda – É a mulher que é
mantida financeiramente por um homem casado, sendo tratada como se fosse a
segunda esposa.
*Teúda – É definida como a amante
de um homem casado, sem qualquer tipo de suporte financeiro do companheiro.
*Capela São Boa Ventura – Era uma
capela que ficava na estrada do Caenga, próximo ao atual cemitério de Águas
Compridas. Restos das ruinas desta capela foram usados durante a construção
deste cemitério que foi inaugurado em 1888.
Por: Jânio Odon/Vozes da Zona Norte.
Fonte: Jornal A Província, do
Recife; charge reproduzida da Revista do Brasil (SP).
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