sábado, 20 de abril de 2024

Abusos e arbitrariedades do subdelegado de Beberibe

 

Em 1875, o subdelegado de Beberibe, Manoel Maria, morava com duas mulheres na mesma casa, não policiava o povoado e promoveu um inventário para si dos bens de uma lavadeira que acabara de falecer. Os moradores do povoado de Beberibe clamaram por sua exoneração. 

 Este fato ocorreu há 148 anos atrás, no povoado de Beberibe, ao norte do Recife. Os moradores do povoado estavam indignados e insatisfeitos com os excessos e a falta de compromisso com que o subdelegado Manoel Maria conduzia o policiamento daquele arrabalde, que começava a crescer com a chegada do trem a vapor, pouco mais de três anos. Beberibe nesta época, ainda não tinha luz elétrica. Tudo era na base do lampião e do candeeiro, mas era um lugar aprazível, com um clima agradável e um rio ainda propício para o banho, lugar de veraneio, com muitos sítios e casarões e passeios a cavalo. Mas havia também, muita pobreza ao redor, muitos casebres e muitos problemas com os gatunos, que arrombavam residências para furtar objetos, roubavam animais. Havia também, muitas brigas durante as bebedeiras, com uso de facas e peixeiras. Estes eram os delitos mais comuns neste centenário povoado.

O jornal recifense “A Província” em 18 de setembro de 1875, publicou uma carta-denúncia enviada pelos moradores do povoado de Beberibe em desfavor do subdelegado Manoel Maria, solicitando ao governador João Pedro Carvalho (Presidente da Província de Pernambuco) sua exoneração e a troca de todo efetivo destacado em Beberibe. Leia na íntegra a carta:

Senhores redatores da Província – Peço-lhes por especial favor que chamem a atenção do excelentíssimo Sr. Presidente da Província, visto que o Sr. chefe de polícia continua em sua costumada sonolência, sem providenciar no sentido de melhorar a segurança dos habitantes do povoado de Beberibe, conservando como subdelegado* um tal de Manoel Maria, homem desmoralizado, sem critério nem força moral, corrompido por todos seus atos.

O escândalo deste celebérrimo subdelegado chega a tal ponto, que na casa em que mora tem mulher, e filhas já moças, nesta mesma casa uma concubina teúda* e manteúda* com grande número de filhos!

Não é preciso dizer-se nada mais para provar a sua moralidade. Seria melhor que Sua Excelência mandasse retirar as praças* de polícia que aqui estão destacadas, as quais vivem em continuadas vadiações, empregando o maior tempo em dormir. O subdelegado é contínuo de uma repartição, vai às 8 horas, e volta às 4 e meia da tarde, ocultando-se depois que chega da repartição, de forma que ninguém o descobre; e assim ficamos observando os escândalos, as insolências dos que aqui vivem dia e noite armados de pistolas, e facas aterrorizando as famílias, que aqui residem.

Dos roubos já não se fala; há dias foram os larápios à taberna do tenente Silvestre, mas encontrando grande resistência, por ter o dono arrumado uns bancos por trás das portas, deixaram de realizar o roubo. E assim e tudo mais, sem que possamos contar com a garantia e segurança por parte da polícia.

Há dias, aqui no lugar Porto da Madeira, faleceu Maria Brendé, lavadeira, deixando meios de ser sepultada no cemitério de Olinda, mas o conceituado subdelegado dirigiu-se ao lugar e tratou de inventariar os poucos bens da finada, mandando levá-los para casa de sua residência. Os bens constituía-se em um baú, com alguma roupa, uns ourinhos, duas cabras, sendo uma parida, que mandou para casa, que tinha um filho que precisava de leite, e a outra vendeu a uma tal de Izabel por 4 mil réis, e um tacho de cobre que procurava venda por 10 mil réis, mais uma casinha de palha que ele quer 40 mil réis.

Depois deste inventário entendeu que devia mandar sepultar a infeliz na capoeira, aonde existe os restos de uma capela denominada São Boa Ventura*, no lugar Caenga, em Beberibe!

Os fatos deste subdelegado são tantas que pedimos ao Exmo. Sr. Presidente que mande averiguá-los. Este mesmo subdelegado já havia sido demitido a bem do serviço público em 1869.

*Subdelegado – É o mesmo que comissário.

*Praças da polícia – É o mesmo que soldados.

*Manteúda – É a mulher que é mantida financeiramente por um homem casado, sendo tratada como se fosse a segunda esposa.

*Teúda – É definida como a amante de um homem casado, sem qualquer tipo de suporte financeiro do companheiro.

*Capela São Boa Ventura – Era uma capela que ficava na estrada do Caenga, próximo ao atual cemitério de Águas Compridas. Restos das ruinas desta capela foram usados durante a construção deste cemitério que foi inaugurado em 1888.

Por: Jânio Odon/Vozes da Zona Norte.

Fonte: Jornal A Província, do Recife; charge reproduzida da Revista do Brasil (SP).

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