sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um Fla-Flu na Ilha do Retiro, em 1947

Ademir Menezes, do Fluminense, ladeado por José Medicis e José Lourenço (Zé Meira), ambos do Sport Recife. Foto: Revista Campeão/Recife.

Os clubes cariocas sempre que estiveram em Pernambuco, desde a fase amadora até a fase do profissionalismo, como o América (1915), Botafogo (1919), Flamengo (1925, 1941, 1942 e 1946), Vasco da Gama (em Caruaru, 1936) e Fluminense (1946), sempre atraíram excelentes públicos e gozavam de bastante prestígio. Em 1947, há apenas três anos do início da Copa do Mundo, no Brasil. O presidente do Sport Recife, José Médicis entrou em contato com as diretorias do Flamengo e Fluminense para a realização de um torneio no campo da Ilha do Retiro, onde participariam ainda, o próprio Sport Recife e o Santa Cruz, e aconteceria o inédito Fla-Flu. A cota cobrada pelas equipes cariocas de Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros) por jogo, fora passagens e hospedagens.

José Médicis considerou o valor muito alto e pensou em desistir. Por outro lado, o diretor do Sport Recife, Álvaro Gonçalves, pediu ao presidente um pouco de tempo, até ele falar com Zé Meira (José Lourenço Meira de Vasconcelos), conselheiro do clube e muito entusiasmado com grandes eventos esportivos. Zé Meira, assim que tomou conhecimento da intenção de José Médicis, logo o procurou e pediu ao presidente que confirmasse com os cariocas a participação deles no torneio, pois ele, assumiria toda responsabilidade em caso de fracasso. Pediu apenas ao presidente, que a cota do Sport Recife fosse estipulado por ele. Animado, José médicis logo ligou para a direção dos clubes cariocas e acertou todos os detalhes da excursão ao Recife.
Orlando "Pingo de Ouro" (centro) ex-náutico e o presidente do Sport, José Medicis (direita). Foto: Revista Campeão/Reclfe


Para fazer face às despesas iniciais, Zé Meira precisava, no mínimo, na mão, de 50 mil cruzeiros. Procurou um gerente de banco que era seu amigo, em busca do dinheiro. Propôs ao gerente, um terreno como garantia, mas o gerente não aceitou, alegando que acreditava no êxito do torneio. Com o dinheiro na mão, Zé Meira procurou Haroldo Praça, ex-jogador do Sport, que na ocasião, era cronista esportivo dos mais conceituados. O apoio da imprensa era imprescindível e Haroldo Praça, grande amigo de Zé Meira, fez grande divulgação nas verdes páginas da Folha da Manhã: “Fla-Flu no Recife”. Além da Folha da Manhã, todos os jornais do Recife, promoveram a divulgação da tabela com todos os jogos.
                                                 
No dia 3 de julho de 1947, quinta-feira, às 16h45, o Douglas das Linhas Aéreas Paulistas aterrissava no Aeroporto do Ibura, Recife. Chegava a delegação do Flamengo, ante os olhares curiosos de centenas de torcedores e muitos repórteres. A delegação carioca veio assim formada: o presidente, Francisco Abreu; o médico, Ibsen Martins; o técnico, Ernesto Santos; o árbitro, Geraldo Fernandes; o massagista, Jonhson; e os seguintes jogadores- Luiz Borracha, Newton, Norival, Biguá, Bria, Jaime, Adilson, Zizinho, Pirilo, Jair, Vevé, Perácio, Tião, Jerval, Tarzan, Serafim, Francisco, Miguel e Jacir.

Ostentando o título de Supercampeão Carioca de 1946, e trazendo em sua delegação os pernambucanos Ademir Menezes, ex-Sport Recife, e Orlando “Pingo de Ouro”, ex-Náutico, o Fluminense chegou ao Recife na sexta-feira, 11 de julho, viajando pelas Linhas Aéreas Brasileiras. Acompanhando vieram os jornalistas Ary Barroso, José Scassa e Antônio Maria (este pernambucano), para cobrir os jogos para Rádio Tupy.

Os jornais deram grande destaque à presença dos tricolores carioca, enchendo suas páginas esportivas de fotos do time descendo do avião e, sobretudo, dos craques pernambucanos. No sábado, logo pela manhã, era grande o movimento na estação ferroviária com a chegada de trens especiais do interior do Estado. Todos os hotéis ficaram lotados. No domingo, 13 de julho, dia do sensacional encontro, o povo começou a chegar à frente do estádio do Sport Recife por volta das 09h00 da manhã. Progressivamente o público foi aumentando e, quando deu meio-dia, a Praça da Bandeira estava intransitável. As longas filas de carros começavam na tradicional rua Benfica e terminava no bairro da Madalena. Eram vistos carros com placas de Fortaleza, Natal, Maceió e até de Salvador. Às 13h00, todas as dependências do estádio da Ilha do Retiro estavam lotadas e os portões foram fechados duas horas antes do início do jogo por medida de segurança.

Enquanto isso, Zé Meira, o homem que avalizou o evento, deixava sua residência no bairro de Piedade, o tempo estava nublado e chuvoso. Zé Meira fazia preces para que a chuva parasse e disse:
- Estou perdido.
Com o olhar tristonho diante daquela chuva intensa e o vento forte que dobravam as folhas dos coqueiros. Acompanhado da mulher, Zé Meira pegou o carro e saiu em velocidade. Ao atravessar a ponte do Pina, respirou aliviado. Aquela chuva forte tinha ficado para trás. Não havia caído nenhuma gota d`água após a ponte. Quando Zé Meira viu a Ilha do Retiro superlotada, sua alegria transbordou num sorriso largo. Foi para Tribuna de Honra e, sorridente, cumprimentava todos. Passados alguns minutos, vieram lhe comunicar que ainda tinha muita gente do lado de fora que não tinha dinheiro para entrar.
- Abra os portões, o futebol é do povo. Determinou.

O JOGO- Os jogadores do Flamengo entraram em campo com bandeirinhas do Santa Cruz e Sport Recife na tentativa de conquistar a torcida. Pois, o Fluminense contava com dois jogadores pernambucanos, além do mais, o rubro-negro carioca tinha as cores do Sport Recife, fazendo com isso, que a maioria da torcida do Santa Cruz torcesse pelo Flu. Mas o Flamengo tinha a seu favor boa parte da torcida vinda de outros Estados e também tinha muitos simpatizantes no Recife. Tudo era festa, as duas equipes foram bastantes aplaudidas ao entrarem no gramado da Ilha. Em seguida, o árbitro Sherlock chamou os capitães, Ademir Menezes, do Flu e Jaime, pelo Fla, após as recomendações de praxe, o prefeito do Recife, Clóvis Castro, deu o pontapé inicial.

Foi uma partida mais de exibição do que de competição, cada jogador procurava mostrar suas qualidades técnicas, com muito toque de bola no meio de campo. O empate de 1 a 1 refletiu fielmente a igualdade que existiu dentro de campo. O primeiro gol do jogo, foi do Fluminense, aconteceu aos 11 minutos do primeiro tempo. O zagueiro Newton, do Flamengo, tenta rebater a bola da defesa, a bola sobra para Simões que chuta de fora da área, sem chance de defesa para o goleiro Luiz Borracha. O Flamengo empatou aos 38 minutos do segundo tempo, Perácio recebeu um lançamento pelo alto e fez de cabeça o gol  de empate.
O Flamengo na Ilha do Retiro, (E/D): Norival, Luiz Borracha, Newton, Biguá, Bria e Jaime; (agachados): Adilson, Tião, Pirilo, Jair e Vevé. Foto: Museu do Esporte



Ficha técnica
Flamengo 1 x 1 Fluminense
Data: Domingo, 13/7/1947
Local: Ilha do Retiro
Árbitro: Argemiro Félix (Sherlock) PE
Público: na época não se divulgava.
Renda: Cr$ 4.252.600,00 (Recorde no Nordeste)
Flamengo jogou com: Luiz Borracha; Newton e Norival; Biguá, Bria e Jaime; Adilson, Tião, (Perácio), Pirilo, Jair e Vevé.
Fluminense jogou com: Robertinho; Haroldo e Gualter; Pascoal (Berascochea), Telesca e Bigode; Pedro Amorim, Ademir Menezes, Simões, Orlando e Rodrigues.  

OS OUTROS JOGOS:

Sport Recife 1 x 5 Flamengo-RJ
Data: 6/7/1947- Domingo
Local: Ilha do Retiro
Árbitro: Geraldo Fernandes
Público: não divulgado
Renda: Cr$ 89.590,00
Gols: Zizinho, Pirilo e Jair, para o Flamengo, no 1º tempo, e Pirilo (2) e Amorim fez o gol de honra, para o Sport.
O Sport Recife perdeu com: Manuelzinho; Chicão e Zago; Vavá, Alheiros e Arnaldo; Carmelo, Zildo, Amorim, Dega (Correia) e Valfredo.
O Flamengo venceu com: Luiz Borracha; Newton (Miguel) e Norival; Jacir, Bria (Francisco) e Jaime; Adilson, Zizinho (Jerval), Pirilo, Jair (Perácio) e Vevé.

Santa Cruz 1 x 1 Flamengo-RJ
Data: 10/7/1947- quinta-feira
Local: Ilha do Retiro
Árbitro: Geraldo Fernandes
Público: não divulgado
Renda: Cr$ 84.006,00
Gols: Elói (Sta) e Zizinho (Fla)
O Santa Cruz jogou com: Rubens; Salvador e Pedrinho; Laerte, Capuco e Rubinho; Guaberinha, Galego, Elói, Pardi e Siduca.
O Flamengo jogou com: Luiz Borracha; Newton e Norival; Biguá, Bria e Jaime; Adilson, Zizinho, Pirilo, Jair e Tião.
Curiosidade: O gol de Zizinho foi com a mão, isso provocou uma paralização de 10 minutos, pois, a direção do Santa Cruz ameaçou tirar o time de campo, mas a pedido de Zé Meira, o jogo seguiu até o final. Em virtude deste resultado, a cota do tricolor pernambucano passou de 8 mil para 12 mil cruzeiros. O presidente do Santa Cruz, Edgar Beltrão presenteou o jornalista e ex-jogador do Sport, Haroldo Praça com um anel de ouro, pela divulgação do jogo no Diário da Manhã e pela sua previsão de que a renda seria boa, mesmo com o comercio aberto.

Sport Recife 1 x 2 Fluminense-RJ
Data: 16/7/1947- quinta-feira
Local: Ilha do Retiro
Árbitro: Batista da Conceição
Público: não divulgado
Renda: Cr$ 36.300,00
Gols: Berascochea e Rodrigues para o Flu e Amorim, para o Sport.
O Sport Recife perdeu com: Manuelzinho; Alheiros (Zai) e Zago; Vavá, Correia e Arnaldo, Carmelo, Zildo, Amorim, Dega e Valfredo.
O Fluminense venceu com: Darcy; Ismael e Hérvio; Berascochea, Pé de Valsa e Bigode; Osvaldinho (Simões), Ademir Menezes, Juvenal, Orlando e Rodrigues.
Curiosidade: Ademir Menezes foi homenageado pela direção do Sport Recife, recebendo o título de sócio benemérito, pela vitoriosa excursão feita pela delegação leonina ao sul do país em 1941, onde Ademir foi a grande revelação.

Santa Cruz 3 x 6 Fluminense-RJ
Data: 20/7/1947- Domingo
Local: Ilha do Retiro
Árbitro: Argemiro Félix (Sherlock)
Público: não divulgado
Renda: Cr$ 80.610,00
Gols: Ademir Menezes (4), Juvenal e Rodrigues, para o Flu; Laerte e Galego (2).
O Santa Cruz perdeu com: Rubens; Zago e Salvador; Laerte, Capuco e Rubinho; Guaberinha (Sancho), Galego, Elói, Pardi (Pitota) e Siduca.
O Fluminense ganhou com: Robertinho (Darcy); Berascochea e Haroldo; Pascoal, Telesca (Pé de Valsa) e Bigode (Ismael); Pedro Amorim, Ademir Menezes, Simões (Juvenal), Orlando e Rodrigues.

* Em 1947, o campeão carioca foi o Vasco da Gama e o Botafogo ficou como vice.

Por: Jânio Odon de Alencar
Fonte: Diário de Pernambuco e Livro “História do futebol em Pernambuco”, de Givanildo Alves, editora bagaço.
      



Nenhum comentário:

Postar um comentário