O desolamento de uma mulher em seu mocambo, num olhar distante, sem perspectiva de melhores dias. Foto: Coleção Josebias Bandeira/Fundaj.
Não foi fácil para os moradores
dos mocambos do centro do Recife, receberem à notícia de que seriam
expropriados pela nova política de modernização da cidade. A chamada “campanha”
promovida pela Liga Social Contra o Mocambo no governo do interventor federal,
Agamenon Magalhães, não cumpriu seu papel social como estava escrito. A Liga,
que depois passou a ser Serviço Social Contra o Mocambo (SSCM), preocupou-se
mais em combater as investidas do Partido Comunista e suas ramificações nas
comunidades, do que, propriamente, da real situação de miséria em que se
encontravam as famílias carentes, moradores dos mocambos. Houve uma grande
negligência nos assentamentos que vieram a surgir, e nas invasões em massa provocados
por essas pessoas nas regiões de encostas, morros, córregos e alagados. Foram
expostos a própria sorte. Sem transportes, escolas, postos médicos, água
encanada e energia elétrica, além de serem lesados na hora de indenizá-los. O
extinto Jornal Pequeno, em 27 de dezembro de 1945, publicou uma matéria que
mostrava essa triste realidade e que o blog Vozes da Zona Norte, reproduziu na
íntegra para os leitores:
Mais mocambos e maior abandono, a
obra social do sr. Agamenon (Dizia o título).
Enquanto o sr. Agamenon Magalhães
atirava-se furiosamente contra os mocambos de Santo Amaro e de outros pontos
mais centrais, milhares e milhares dessas humildes choupanas iam surgindo
diariamente nas zonas suburbanas transplantando-se para longe a paisagem que os
olhos do ex-interventor não podiam contemplar. O morador do mocambo após
assistir á derrubada impiedosa de residência, partia em busca de outras plagas,
onde pudesse construir uma tapera para o seu lar.
As casinhas apareceram menores com um aspecto de miséria mais impressionante, porque o dinheiro era também mais curto. Não foram poucos os mocambos avaliados em cinco e mais milhares de cruzeiros e a famigerada “campanha” indenizava por duzentos ou trezentos. E não deixavam nada, nem mesmo a madeira para o morador.
Os mocambos foram retirados do centro do Recife e tomaram rumo dos acostamentos de barreiras, morros, córregos e alagados da periferia. Foto: Josebias Bandeira/Fundaj.Em Olinda – Na vizinha cidade do
norte, por exemplo, o número de mocambos construídos nestes últimos anos,
atinge cifras sem precedente, como se pode deparar do quadro abaixo:
1939 – Existiam 2.552 mocambos
1940 – Existiam 3.664 mocambos
1941 – Existiam 4.740 mocambos
1942 – Existiam 5.359 mocambos
1943 – Existiam 5.586 mocambos
1944 – Existiam 6.093 mocambos
1945 – Existiam 7.925 mocambos
Esses dados foram colhidos na
Prefeitura de Olinda, e não correspondem, exatamente, á verdade. É pelo menos o
que deixa crer o lançador daquela municipalidade, o qual nos informou que
“inúmeros mocambos vêm escapando à caneta tendo muita gente construído o seu
casebre até sem licença”.
Entrando ou não nas contas da
Prefeitura, a verdade é que os mocambos em Olinda, são cada dia mais numerosos
espalhando-se de preferência, na Estrada de Beberibe, Salgadinho, Matumbo,
Sapucaia, Caenga, Campo de Goiás, Ladeira do Monte, Estrada do Cemitério,
Estrada do Rio Doce, Praia do Rio Doce, Muntrizes, Jatobá, Caravelas, Forno da
Cal, Peixinhos, Avenida Nova, Sítio Novo, Sítio dos Arcos e no Istimo.
Nas ruas sem nome e nos becos
intricados desses pontos longínquos, o morador do mocambo, batido de sua antiga
residência, foi construir o novo lar. Muitos desses tugúrios, naturalmente,
escaparam às vistas dos fiscais da Prefeitura. Muitos outros hão de ter faltado
á estatística, num arranjo de última hora, para não mostrar tão claros os
efeitos desastrosos da “campanha”.
Esses efeitos estão estampados na
fisionomia dos que habitam os mocambos, na sua voz arrastada, no seu desespero
sem remédio. Expulsos do centro usurpados nos seus direitos e explorados na sua
economia, eles guardam o ódio, alimentado pelas contingências, à espera de um
dia melhor.
Falam os moradores de mocambos –
Logo ali, perto do Matadouro, em Peixinhos, no local que dá entrada para uma
zona toda cheia de mocambos; o repórter encontrou três moradores da rua da
Areia. Os três palestravam sobre a falta de bondes e esconjuravam a vida do
pobre.
- “Vida de cachorro, essa da
gente”, sem se esquecerem de citar Agamenon e sua “campanha”, no meio da
discussão.
Falamos a seguir com seu Inácio,
residente ali há mais de dez anos. Disse-nos ele que, quando comprou o seu, havia
por ali, poucos mocambos. Porém, de 1940 para cá, construíram-se mais de mil.
Gente ainda das bandas de Santo Amaro, que teve seus mocambos derrubados.
Ouvimos também, a senhora Severina, moradora da rua São Sebastião, em Peixinhos. Declarou-nos essa senhora que perdeu dois mocambos, um dos quais havia custado mais de 5 mil cruzeiros e foi indenizado por 600 cruzeiros. E ao chegar em casa, notou, conferindo o dinheiro, que o sr. Alfredo...lhe dera 590 cruzeiros em vez de 600. Referiu, também, que muitos morreram de desgosto, longe dos seus mocambos devastados pela febre de destruição do então governante. Que outros enlouqueceram e, ficaram de mãos erguidas para o céu, diante de seus mocambos reduzidos a montões.
Crianças, moradores dos mocambos da antiga rua da Areia, em Peixinhos. Foto: Jornal Pequeno/1945.Os pequenos – É, esses mocambos
também são moradia de garotos, crianças nascidas na lama, habituadas ao charco.
Vivem assim, como nasceram, sem que mereçam dos poderes competentes uma atenção
qualquer. Era Peixinhos, zona habitada por grande número de famílias, não há
uma só escola pública – nem estadual, nem municipal. Um só estabelecimento de
ensino, onde aquelas crianças possam assegurar-se o direito de saber alguma
coisa, não existe em toda aquela redondeza.
A escola dos meninos pobres de
Peixinhos é o alagado fétido, onde vão pescar siris e caranguejos. Este é, sem
dúvida, um dos mais dolorosos efeitos dessa “campanha contra o mocambo”, a qual
na verdade, foi dirigida contra o morador do mocambo. Em outros locais menos
distantes, os garotos podiam matricular-se num grupo escolar, frequentar as aulas,
aprender a assinar o nome. Arrancando-lhes essa possibilidade e atirando-os ao
charco, o ex-interventor apenas, levantou-se impunemente contra essas pobres
crianças, tornando-lhes mais difícil o caminho da vida.
Registe-se este e outros fatos
aqui citados, como testemunhos irrefutáveis do ódio que foi a bandeira de
governo do sr. Agamenon Magalhães e que ele fez tripudiar, especialmente sobre
a mágoa dos pequeninos e desamparados.
Por: Jânio Odon/VOZES DA ZONA NORTE.
Fonte: Jornal Pequeno.
Parabéns meu amigo Jânio! Nunca devemos nos esquecer da nossa história. Belo trabalho com informações relevantes e interessantes.
ResponderExcluirObrigado pela visitação e o seu comentário que é muito importante. Um abraço.
ExcluirExcelente cobertura jornalística, uma obra-prima!
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