segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Katarina Real, a embaixadora da cultura pernambucana

 

A antropóloga e historiadora norte-americana Katarina Real, uma apaixonada pela cultura popular pernambucana. Foto: Fundaj.

Foi durante minhas pesquisas, sem querer, que descobri a figura desta genial personagem norte-americana, conhecida em nossa cidade Recife como Katarina Real. Uma mulher apaixonada pela cultura popular e suas raízes em toda a América. O que me fascinou em Katarina Real, que era antropóloga, foi sua ousadia e predestinação em busca da essência e os elementos culturais de cada região e lugarejos remotos, onde poucos arriscariam transpor.

Aos 24 anos, após se casar aqui no Recife, com o agrônomo e conterrâneo, Robert Cate, que fazia trabalho de pesquisa no Brasil, passou a se chamar Katherine Royal Cate, mas que era conhecida aqui na terra do frevo como Katarina Real. Ela nasceu em 12 de agosto de 1927, na cidade de Annapolis, em Maryland (EUA).

Esteve na capital pernambucana pela primeira vez, ainda recém-nascida a bordo do Cruzador Milwalkee da Marinha Americana, comandado por seu pai, o almirante Forrest Betton Royal, que veio ao país para instruções navais com a Marinha do Brasil.

Em 1949, formou-se em Artes e Estudos Luso-Brasileiro pela Stanford University. Neste período, conheceu a obra de Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, traduzida para o inglês por Samuel Putman. Katarina Real ficou muito impressionada com o que leu, principalmente com a influência do negro africano na cultura nordestina.

Aos 27 anos, Katarina Real, apresentava um programa cultural na rádio da Universidade de Stanford sobre a cultura Pan-Americana, onde em sua programação, exibia músicas folclóricas e regionais do Nordeste brasileiro e entrevistas. Numa dessas entrevistas, conheceu o jornalista pernambucano, Luiz Beltrão, onde construiu grande amizade. Luiz Beltrão enviou inúmeras correspondências com informações sobre a cultura pernambucana, gravações de frevo, maracatus e ritmos pernambucanos para serem disseminados na rádio americana.

Katarina Real esteve em Pernambuco diversas vezes durante as décadas de 1950 e 1960 e fez várias visitas entre as décadas de 1980 e 1990. Entre suas idas e vindas ao Brasil, Katarina Real esteve no Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Brasília.

Em Pernambuco, Katarina Real, viajou pelo interior do Estado, visitando povoados e cidades em busca de elementos culturais existentes em cada localidade como: maracatus rurais, reisados, caboclinhos, cirandas, papangus, pastoris etc. No Recife, subiu morros, caminhou por alagados e córregos, conheceu as comunidades carentes, fez amizades e registrou tudo em seus rascunhos e fotografias coloridas, o folclore, a tradição, o habitat de cada localidade visitada, algo que poucos pesquisadores e historiadores pernambucanos ousaram fazer.

Katarina Real, foi brilhante, ousada, destemida e humana. Uma gringa que amou o nosso carnaval, nossa cidade e nosso Estado e que merece toda nossa reverência. Conheça um pouco de sua história e trajetória, além de uma entrevista, numa matéria registrada magistralmente pelo Diário de Pernambuco em 26 de fevereiro de 1989, concedida a jornalista Lêda Rivas, e que o Blog Vozes da Zona Norte reproduz para você.

No Caminho da volta (Dizia o título) – Diferente de uma boa parte de seus compatriotas que tende a considerar todo o tipo de vida inventiva abaixo do rio Grande como uma imensa massa uniforme, sem nenhuma identidade cultural, Katharine Royal Knight (nome de solteira) conseguiu, em algumas décadas de vida, trabalho e emoção, detectar algo mais que exótico, o burlesco e o caricaturável deste lado desta pobre dilacerada América.

Master of Arts e doutora em Antropologia Cultural e Folclore, esta norte-americana – que, certamente, por equivoco nasceu nas imediações da baía de Chesapeake, mas bem poderia ter vindo ao mundo às margens do Capibaribe – tornou-se, em pouco tempo, uma das maiores conhecedoras dos carnavais do mundo e na mais confiável expert – e a avaliação é feita por folcloristas ilustres do porte de Olímpio Bonald Neto e Evandro Rabello – do carnaval pernambucano. A mais característica das nossas festas populares é, para ela, uma surtíssima atividade intelectual, à qual dedicou anos de estudos e pesquisas e que veio a consagrá-la como a autora do mais completo livro sobre o assunto.

Foi exatamente para atualizar suas investigações antropológicas e preparar uma segunda edição, revista, do seu “O Folclore no Carnaval do Recife”, o mais importante livro publicado sobre o tema, como nos adverte Evandro Rabello – que Katharine voltou ao Recife. Os que dela os recordam – que são muitos, entre expressões de nossa cultura erudita e representantes do pensamento popular – viram-na misturar-se com a massa, ao som do frevo e ao ritmo do passo, no início deste mês, inacreditavelmente multiplicada em várias pessoas, presente ao mesmo tempo, na passarela da Dantas Barreto, nas ruas de Olinda, na amplidão oceânica de Boa Viagem.

“Eu tinha tanta saudade do Recife...”, revela, emocionada até às lágrimas, lembrando que é tanto o seu amor pela cidade que fez grafar o nome do Recife na sua aliança de casamento. Tanto é o seu amor por tudo o que lembre a ibero e a luso-América, que chegou – no tempo em que fazia um programa sobre o folclore latino na KGEI, Universidade do Ar na Califórnia, - aportuguesar seu próprio nome, passando assinar-se Katarina Real. Ainda não liberta de toda heráldica que a conferência familiar (por parte do pai, Royal, por parte da mãe, Knight lhe impunha, viria, mais tarde, a acrescentar o sobrenome do marido, Cate, ao nome.

Esta Katarina Real-Cate que todos conhecemos tem um forte e longínquo vínculo com as terras brasileiras. Aqui aportou, nos últimos anos da década de 1930, pelas mãos do pai, um oficial da Marinha norte-americana transferido para o Rio de Janeiro, vindo do Estado de Maryland, na costa leste dos Estados Unidos. “Em 1939, sem saber uma palavra em português, eu cantava marchinhas carnavalescas e sambava, fazia o corso, com confetes e serpentinas na avenida Rio Branco”, recorda. O samba abria caminho, nas veias da menina parecida com a atriz Shirley Temple, para que o frevo lhe corresse, depois, no sangue. Foi o interesse pelas nossas manifestações folclóricas que fez Katarina retomar, muitas vezes, o caminho da volta.   

Mas primeiro aprimorou o aprendizado da língua e da cultura brasileira, no seu país de origem, estudando na Universidade de Stanford, onde especializou-se em estudos latino-americano, com ênfase no Brasil e no mundo luso-brasileiro. Contratada pela Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro aqui chegou em 1950 para servir de intérprete e tradutora, atuando imediatamente ligada a um jovem diplomata recém-chegado de um posto desafiante em Calcutá. Transferida em seguida para Washington, estava, então, irreversivelmente ligada não só ao país como ao jovem diplomata, um talentoso especialista em ciências do solo, Robert Cate.

O Recife do final dos anos de 50 foi o cenário do casamento de Robert e Katarina. Desligado de suas funções na Embaixada, o casal voltou ao Estados Unidos para cursos de pós-graduação na Universidade da Carolina do Norte, andou – por força de estudos dela e do trabalho de Bob como agrônomo – em várias partes da América (o norte do Brasil incluído) e, finalmente, por exigência de uma bolsa concedida em 1961, a Katarina, pela Organização dos Estados Americanos, regressou ao Recife por um período que se prolongou por oito anos. Começavam aí as pesquisas que dariam origem ao livro “ O Folclore no Carnaval do Recife”, publicado pelo Ministério da Educação e Cultura, através da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.

O tempo em que residiu no Recife o sr. e a srª Cate transformaram o seu apartamento, no edifício Duarte Coelho na “Torre do Frevo”, numa clara alusão ao espaço que ali se concedia  a todos os amantes da folia. E tanta importância teve a participação de Katarina nos estudos antropológicos da Região que, em 1967 – ano da publicação do seu livro – ela foi indicada como representante do então prefeito Augusto Lucena na Comissão Organizadora do Carnaval do Recife (1965/1966) e secretária-executiva da Comissão Pernambucana de Folclore.

A última vez que Katarina esteve no Recife foi em 1977 (obviamente, no período carnavalesco). Doze anos depois, retorna (o marido Bob ficou em La Jolla, na costa pacífica, onde o casal mora “numa casa à beira mar, cercada de pedras, e onde se ouvem fantásticas tempestades) e onde – e aí alimenta a nossa inveja – “se comem maravilhosos crabs gigantes”, não só para atualizar seu interessante livro – totalmente esgotado – como para doar a Fundação Joaquim Nabuco, instituição que lhe serve de anfitriã, seu fichário e publicações raras alusivas ao carnaval pernambucano.8

Até meados de abril, possivelmente, Katarina Real estará entre nós. Entre os seus, para usar uma expressão que lhe agrada. Estudando, fazendo pesquisa de campo, revendo lugares queridos, falando de carnavais passados e lembrando os amigos, “tantos os que já estão no céu”, como Dona Santa”, aquela linda rainha do maracatu. E é isto que encanta nesta gringa recifencizada: o amor sincero e quase obsessivo que sente pelas manifestações populares e pela imensa massa anônima que faz a nossa história.

Num bate-papo informal sob a lua cheia e ao embalo de doces recordações – Katarina fala de seu trabalho, do seu amor pelo Brasil, do seu interesse pela nossa cultura (“lá em casa temos estantes para os livros brasileiros e estantes de livros americanos e as pessoas ficam ali olhando, abismadas, perguntando “você lê português?”) e eu, feliz, dizendo: “Eu não só leio, como escrevo em português”), do seu carinho pelos animais ( tem dois cães pomerânios lulus, “Xangô” e “Oxalá”, sucessores de “Urso Folião” e “Seu Pimenta”, que haviam ocupado o lugar de “Frevo e “Maracatu”), do seu profundo conhecimento do carnaval do mundo inteiro, em especial o nosso. São revelações apaixonadas – sensibilíssima – Katarina não raras vezes chega às lágrimas, principalmente quando fala dos que já se foram ou quando relembra (off the record) trajetórias distantes, como quando ela e Bob adentraram o sertão e desembocaram na caatinga, para descobrir milhares de belos passarinhos de todas as cores.

Vale a pena ouvir Katarina Royal Cate. Vale a pena aprender com ela.

DP – Katarina, por que o interesse pelo carnaval pernambucano?

KR – Porque o carnaval pernambucano é o mais interessante de todo o Brasil, principalmente do ponto de vista de seus aspectos folclóricos. Eu disse no meu livro que o carnaval do Recife é o mais folclórico do mundo. Mas eu gosto do carnaval em geral no Brasil, porque representa a verdadeira alma do brasileiro e considero-me um pouco brasileira. Gosto de beleza, música, dança, festividade, fantasia. Sou aliás, uma bailarina frustrada. Então, me dá uma felicidade imensa todo mundo nessa euforia carnavalesca e, às vezes, danço um pouco, caio no passo, caio no passo, e até faço o meu sambinha.

DP – Qual a manifestação carnavalesca mais autêntica e original que você conhece?

KR – Pergunta bastante difícil. Não há dúvida que os maracatus, caboclinhos, os folguedos folclóricos são os mais interessantes. Diria também que o urso brincante pela rua, os bois, cavalo marinho, Mateus, todas essas figuras do folclore nordestino enriquecem o carnaval e são muito originais. Também citaria a presença desses caboclos de lança com suas golas bordadas. Há muita coisa no carnaval que é completamente original, que não existe em outra parte do Brasil.

DP – E como vê o carnaval na cultura brasileira – a se admitir que exista uma cultura caracteristicamente brasileira?

KR – Eu diria que é uma das pedras fundamentais da rica cultura brasileira popular e até certo ponto de vista, intelectual. O carnaval do Brasil produz obra de arte, literatura, escultura, até sua própria arquitetura – o sambódromo do Rio de Janeiro - , o carnaval é tão interligado na cultura brasileira que é difícil imaginar um Brasil sem o carnaval. É uma pedra tão fundamental na cultura brasileira como o futebol, o jogo do bicho, feijoada no sábado à tarde, todas essas tradições tipicamente brasileiras.

DP – Falando em carnaval...dentro das manifestações populares brasileiras você estabeleceria algum paralelismo entre o carnaval e o futebol, as duas grandes paixões de massa no país?

KR - Estão tão interligados que cada vez que o Brasil ganha um jogo de futebol sai um grupo carnavalesco festejando. Também há muitos jogadores de futebol, principalmente nas escolas de samba do Rio, e aqui no Recife, integrados ao carnaval. Ambos, o carnaval e o futebol, expressam e revelam essa extraordinária e exuberância da personalidade brasileira.

DP – Você me disse que antes de aprender a falar português, você cantava nossas músicas, sem saber nada da língua, e dançava o samba. Sei também que você é muito versada no passo e lhe pergunto: Como uma grande conhecedora da coreografia do passo, você acha que este poderia chegar a ser um dos elementos configuradores de um possível balé brasileiro?

KR – Bem, seria um balé de bailarinos bastante individualistas porque não se pode colocar uma fila de passistas fazendo a mesma coisa. O passista faz o que quer. Agora, por exemplo, nos desfiles dos clubes, que vão colocando as alas dos passistas, isto funciona, é uma beleza, é um balé folclórico na passarela. Será então levar o que acontece na passarela para o palco – e isto será um balé. Mas um balé de todo o mundo fazendo coisas diferentes, que é uma das características do passo. E é balético, não há dúvida.

DP – Eu tenho uma curiosidade em relação ao trabalho que você realizou aqui e qual foi o feito – palavras suas – nos morros e mangues da cidade: como uma gringa era tratada, então, no meio de nossa mulatice?

KR – (risos) Oh, maravilhosamente! Isto foi a coisa mais estranha que me aconteceu aqui. Digo no meu livro que foi das coisas mais divertidas. Quando eu andava lá pelo alto de Nossa Senhora de Fátima (antigo Alto da Foice), parece que as pessoas nunca tinham visto uma criatura como eu. Todo mundo se aglomerava em torno de mim, principalmente os meninos, e eu ouvi alguém dizer (sem saber que eu estava escutando), que eu era “a senhora galega da fala estranha”. Eu achei isso uma beleza. O povo sempre me aceitou maravilhosamente. E isso eu achei até milagroso. Você veja, uma mulher estrangeira aparecer na porta de um barraco, segurando um caderno, fazendo uma porção de perguntas, algumas até indiscretas, e o povo receber tão bem. Não sei explicar, o povo sempre me tratou com a maior gentileza e sempre lhe serei gratíssima por isso. Para mim uma das maiores experiências da minha vida foi este contato, esse entrosamento, esse amor do povo maravilhoso dos subúrbios recifenses.

Dona Santa, uma lenda do carnaval pernambucano. Fundou o Maracatu Estrela do Oriente, dirigiu os maracatus Leão Coroado e durante 16 anos, o Nação Elefante. Foi coroada rainha do maracatu em 1947. Faleceu em 1962, aos 85 anos. Foto: Fundaj.

DP – E desse tempo que lembranças você guarda com mais emoção?

KR – Tantas lembranças, Por várias noites visitei Dona Santa na sede do seu maracatu, na época que ela estava saindo toda trajada de rainha com seu cortejo para visitar outro clube popular. Tive a honra e o privilégio de acompanhá-la nessas visitas. Uma vez fui lá no Alto do Céu (Beberibe), subi a pé porque não havia caminho pavimentado e era um dia de calor infernal. Subi e estava morta de cansaço e de sede, e as pessoas ali bem rústicas, a maioria era do Interior, mandaram vir água mineral, café com leite para servir a uma pessoa completamente estranha. Eu achei uma generosidade inacreditável. Momentos como esse são inesquecíveis. E a coisa mais linda que eu conheço é a vista da cidade do Recife desde os altos, como o Morro da Conceição, o Alto do Mandu. O Recife lá longe, brilhando ao luar. É uma lembrança fantástica. E sobre isso eu posso falar horas e horas.

DP – Você assistiu ao nosso carnaval agora, depois de ficar tanto tempo longe do Brasil. E certamente observou que o carnaval mudou em algo, surgiram agremiações e carnavalescos novos, e surgiu um grupo muito forte, que arrasta uma multidão extraordinária, que é o Galo da Madrugada. Você acha que o Galo da Madrugada é o aburguesamento do carnaval?

KR – O carnaval tem de mudar com o tempo e tem de aburguesar-se também...

DP - ... ou a burguesia de carnavalizar-se ...

KR – (risos) Exatamente. Um ou outro. Mas um carnaval que não está em plena evolução, mantendo seu dinamismo, é condenado a decadência ou ao desaparecimento. Aliás, isso aconteceu em certos dos antigos carnavais da Europa, que tornaram-se arcaicos, não combinavam com os tempos, e o povo perdeu interesse. O aburguesamento do carnaval é uma exigência de sua vitalidade. Claro que a burguesia não faz coisas tão lindas como o povo, isto é um ponto de vista pessoal. Mas carnaval é para todo o mundo, carnaval é para brasileiros, e até para Katarina Real. Todo mundo pode participar a sua própria maneira.

DP – A propósito dos carnavais europeus, você teve a oportunidade de conhecer e/ou de fazer estudos comparativos entre o nosso carnaval e o de outros países, não necessariamente da Europa?

KR – Umas das minhas especialidades é o estudo de carnavais do mundo inteiro, no espaço e no tempo. Minha tese de doutoramento foi um grosso volume estudando as origens do carnaval, desde as Saturnálias de Roma e as festas pagãs da Grécia antiga, do Egito, da Babilônia. E até as Saturnálias dos judeus, que era a Festa do Purim. Moramos vários anos nas Caraíbas e fiz uma pesquisa sobre o carnaval de Trinidad e das Guianas. Trinidad tem esses músicos maravilhosos dos grupos de tambores de aço. Fiz pesquisa entre eles. Não quero criticar, mas os pretos que tocam tambores de aço não me trataram com a gentileza do povo brasileiro. Foram gentis de alguma forma, mas não houve o entrosamento que tive aqui. Há também o carnaval de Nova Orleans, o Mardi Gras, um carnaval bem diferente do brasileiro, bastante afrancesado, mas que tem a sua parte popular – os negros das orquestras de jazz desfilam, por exemplo. Em suma, sempre que haja um carnaval para pesquisar, estou lá com meu caderno. Mas de todos esses carnavais que conheço, não tenho dúvida de que o do Brasil é o mais interessante, o mais vibrante e o mais dinâmico.

DP – O que mudou no carnaval pernambucano, na sua opinião?

KR – Na sua estrutura, nas suas características e na sua personalidade não vejo muita diferença. O carnaval de Pernambuco desde a década de 1960 tem crescido fantasticamente. O crescimento do carnaval em si, o crescimento do número de integrantes em todas as agremiações, clubes, blocos, maracatus, caboclinhos, as escolas de samba. Eu fiz um fichário enorme, na década de 60, com uma ficha sobre cada clube carnavalesco. As fichas iam de 1961 a 1968. Trouxe-as agora para o Recife. E veja que interessante: aparece uma escola de samba, por exemplo, creio que Império do Samba, ou Império do Asfalto, onde registrei a observação: “Escola de samba enorme. Duzentas pessoas. Batucada de cinquenta pessoas”. Esse mesmo grupo saiu este ano com duas ou três mil pessoas. Isso é só para citar um exemplo do crescimento. A coreografia dos grupos, hoje, é mais desenvolvida. Tem mais grupo em cada categoria. Eu me alegro em ver que o dinamismo do carnaval continua.

DP – Na sua opinião o apelo erótico é válido nos desfiles carnavalescos?

KR – Ah, bom, um brasileiro muito inteligente me disse há alguns anos: “Olhe Katarina, o brasileiro foi formado de três raças, duas das quais andavam quase que inteiramente nuas, o índio da floresta tropical e o africano. Então, o europeu ia botar roupa nesse povo, num país tropical? O índio na sua nudez permitida é a criatura mais feliz do mundo. Bote roupa nele e ele morre de calor, com qualquer chuva pega um resfriado, ou pneumonia, e morre em poucos minutos”. Então eu acho esse negócio de nudez próprio do brasileiro, que volta a sua própria natureza. Vamos tirar toda essa roupa do carnaval (risos)... Bem, isso é mesmo surpreendente para os que vêm de fora. Mas eu acho uma beleza tudo o que o povo faz, se é do seu gosto.

DP – Você deve ter visto alguma coisa, este ano, pela televisão, do carnaval do Rio de Janeiro...

KR – Sim, eu conheço o carnaval do Rio desde a década de 1930. Até parece que estou ficando bem velhinha. Mas estive aqui ainda menina. E depois, na década de 1950, tive a oportunidade de ver o crescimento das escolas de samba. E vi na TV Manchete o desfile das escolas de samba até altas horas da madrugada, quando devia estar dormindo para me recuperar de outro dia de pesquisa de campo no Recife. Todo mundo sabe que o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro é um dos grandes espetáculos do mundo. Cada vez fica maior e mais fantástico. Eu não sei onde vai parar. Tudo muito bonito e crítico...

DP - ... talvez o povo seja o maior crítico social...

KR – Sim, Eu gostei imensamente da Beija-Flor com aquele negócio de “luxo e lixo”. Muitas dessas belezas do carnaval deveriam ser vistas nos Estados Unidos. Mas há um ponto interessante que acho que os brasileiros não sabem e vale a pena anotar: o carnaval brasileiro vai influindo nos Estados Unidos bastante. Quase todas as cidades norte-americanas têm baile de carnaval brasileiro, muito frequentados pela população. Em San Diego, na Califórnia, onde moro, há uma sociedade brasileira que todo o ano promove um baile de carnaval, de que sempre participo. Enche-se não somente de brasileiros e americanos, mas de toda colônia latina e de boa parte dos negros dos Estados Unidos, que raramente é vista num baile social. Os negros americanos naturalmente adoram o carnaval. Los Angeles tem três ou quatro bailes de carnaval brasileiro, San Francisco também, Nova York acho que tem pelo menos uns dez. E o que eu acho mais interessante ainda é que San Francisco estão surgindo escolas de samba, formadas de estudantes que se reúnem uma vez por semana para afinar a batucada. E aí você pode ver moças de cabelos louros e olhos azuis tocando tamborim, pandeiro etc. Há um grande desfile de escolas de samba em San Francisco, em junho, que já tive oportunidade de ver. Aliás, muitos deles são ensaiados por uma bailarina brasileira que mora em San Francisco. Saem escolas com porta-estandartes e ala de malabaristas. Não é tão bem-feito como no Brasil, mas o americano está tentando. (Finalizou).

Katarina Real, faleceu em 6 de junho de 2006, na cidade de Tucson, no Arizona (EUA), aos 79 anos.

Por: Jânio Odon/VOZES DA ZONA NORTE

Fonte: Diário de Pernambuco e Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

 

 

 

 


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